O final do ano letivo está próximo, falta menos de um mês e como todos os anos, surgem os testes, os trabalhos, e o nervosinho normal de quem se prepara para o “ano seguinte”. Mas este ano, na minha escola, é um ano diferente. Este ano é um ano especial. Este ano é o último ano da escola…. Sim, o último…
A escola onde trabalho há tantos anos vai encerrar. Não por falta de amor ou dedicação, isso existiu sempre, mas por decisões que me ultrapassam, vindas de lugares onde não quero entrar. A escola fecha no final do ano letivo, em junho, e com ela encerra-se também um capítulo da vida de todos os que ali aprenderam, ensinaram e cresceram.
E de repente, somos todos finalistas.
Este ano não são só os alunos do 4.º ano que se despedem. Despedimo-nos todos. Eles, de um espaço que conhecem como a sua segunda casa. Eu, de um lugar em que me fui construindo como professora e como pessoa, onde vi muitos meninos e meninas crescerem diante dos meus olhos…
Desde que soubemos do encerramento, temos tentado viver os dias com alguma serenidade. Tenho tentado fingir normalidade, seguir horários e manter as nossas rotinas. Mas há uma tristeza que se infiltra nos meus dias, como uma sombra…
Em muitas situações, dou por mim ansiosa, preocupada, e com toda a honestidade, triste. Muito triste. Sinto uma dor silenciosa em ver ruir uma estrutura que não era apenas uma casa de pedra, cimento e janelas — era uma estrutura emocional, afetiva, relacional. A minha sala de aula é onde partilho risos, a sala em que fazemos e partilhamos projetos, a sala onde vamos fazendo conquistas, a sala onde celebramos, todos juntos, as nossas vitórias. A minha sala de aula é a sala onde vivemos todos juntos tantas horas…
O que realmente me está a custar é pensar em cortar laços com quem acompanha os meus dias. Estes nossos laços não são de trabalho, são de amor. Laços dados com paciência, ternura, sorrisos, beijinhos, abraços, olhares e gargalhadas.
As minhas crianças (e todas as crianças da escola) não mereciam este fim, são claramente os mais indefesos… E não sabem verbalizar o que sentem, mas sentem tudo. E demonstram como sabem. Multiplicaram-se os mimos, os abraços inesperados, os “adoro-te, professora” ditos com olhos de verdade. Há teatrinhos improvisados, desenhos a chegar todos os dias, canções inventadas, como quem diz: “Vai ficar tudo bem”, mesmo quando sabemos que não está tudo bem…
Sinto que estão também a despedir-se, mas ainda não sabem muito bem do quê. Talvez não compreendam ainda a dimensão de tudo o que está a acontecer, mas pressentem a mudança, a perda, a rutura. E é nesse espaço entre o que não se entende e o que se sente que habita a infância.
Este ano somos todos finalistas… Cada um à sua maneira. Os meus meninos e meninas, que seguirão para outras escolas, com outros professores e novos amigos. Eu, que seguirei também, com uma bagagem pesada, cheia de lembranças, de histórias partilhadas, de conquistas silenciosas.
Despedir-me desta escola é despedir-me de uma parte de mim. É encerrar uma casa onde deixei tanto de mim, e onde tanto me deram. E por mais que tente racionalizar, por mais que me diga que tudo acaba, que tudo muda, a verdade é que dói… E dói muito!
Mas, como acontece com os nossos finalistas de todos os anos, também nós levamos a escola connosco. Nas palavras que dizemos, nas escolhas que fazemos, nos valores que deixamos em cada criança.
Gosto de pensar que talvez não seja um fim. Talvez seja, como tantas vezes digo às crianças, um recomeço. Um daqueles recomeços que ainda não compreendemos bem, mas que havemos de aprender a abraçar. Quero muito acreditar nisso!
Por enquanto, vou viver estes últimos dias com a maior entrega possível. Continuarei a acolher cada gesto, cada sorriso, cada lágrima, com a certeza de que tudo isto valeu a pena. Porque valeu. Porque o amor que se construiu, não se apaga.
E enquanto houver uma criança que, mesmo sem entender o que se passa, me ofereça um desenho com um coração e um “És a melhor professora do mundo”, então saberei que, apesar de tudo, esta escola cumpriu a sua missão
