As alterações climáticas elevaram em mais de 300% os dias de calor com valores perigosos para a saúde em 2024, em relação à média anual de 1986-2005, segundo um relatório divulgado esta terça-feira.
Em média, a população mundial foi exposta no ano passado a um recorde de 16 dias quentes adicionais e que ameaçaram a saúde, com os mais vulneráveis a sofrerem 20 dias de ondas de calor.
Segundo o documento, a exposição ao calor resultou num recorde de 639 mil milhões de horas potenciais de perda de produtividade laboral em 2024, com perdas superiores a um bilião de dólares, quase 1% do PIB mundial.
O 9.º relatório Lancet Countdown on Health and Climate Change, da revista científica The Lancet, revela também que as secas e ondas de calor aumentaram o número de pessoas em situação de insegurança alimentar moderada ou grave em 123 milhões em 2023, em comparação com a média anual entre 1981 e 2010.
Os sistemas alimentares insustentáveis também contribuem para as alterações climáticas e as dietas pouco saudáveis e com elevado teor de carbono contribuíram para 11,8 milhões de mortes relacionadas com a alimentação em 2022, que poderiam ser em grande parte evitadas através da transição para sistemas alimentares mais saudáveis e amigos do clima, segundo o documento.
A investigação sobre a relação entre as alterações climáticas e a saúde humana alerta ainda que os atrasos na adoção de energias limpas levam a que mais de dois mil milhões de pessoas usem combustíveis poluentes nas suas casas, e que em 65 países com pouco acesso a energias limpas a poluição atmosférica resultou em 2,3 milhões de mortes evitáveis em 2022.
“Após nove anos de monitorização global, é claro que estes danos à saúde são o preço que estamos a pagar pelo fracasso consistente dos líderes globais em tomar as medidas necessárias para combater as alterações climáticas e proteger a saúde”, disse Stella Hartinger, diretora do relatório regional do “Lancet Countdown” para a América Latina e autora do relatório global, citada no comunicado.
Este preço, acrescentou, foi pago “mais severamente pelos países vulneráveis que menos contribuíram para a crise”.
Além dos danos crescentes já identificados, o relatório indica que o retrocesso político nas ações climáticas ameaça “condenar milhões de pessoas a um futuro de doenças, desastres e morte prematura”.
Atualmente, acusam os autores do documento, os bancos privados estão a apoiar esta “expansão mortal dos combustíveis fósseis”, com os 40 maiores credores do setor dos combustíveis fósseis a investirem coletivamente um valor recorde de 611 mil milhões de dólares em 2024 (um aumento de 29% em relação a 2023). Um valor que excedeu os empréstimos ao setor verde em 15%.
A dependência excessiva de combustíveis fósseis e a “incapacidade de adaptação às alterações climáticas estão a custar vidas, saúde e meios de subsistência, com 12 dos 20 indicadores que monitorizam as ameaças à saúde a atingirem níveis sem precedentes”, alertam os cientistas.
O documento aponta que a inércia face às alterações climáticas está a custar milhões de vidas todos os anos e pede mobilização geral para intensificar os esforços para reduzir as emissões de GEE.
Mas acrescenta que, até agora, não houve capacidade para conter o aquecimento global, pelo que a taxa de mortes ligadas ao calor aumentou 23% desde a década de 1990, chegando a 546.000 por ano.
Segundo os autores do relatório, só em 2024 a poluição atmosférica causada pelo fumo dos incêndios florestais esteve associada a um número recorde de 154.000 mortes.
E o potencial médio global de transmissão da dengue aumentou até 49% desde a década de 1950.
Outros números em destaque no documento indicam que os governos gastaram coletivamente 956 mil milhões de dólares em subsídios aos combustíveis fósseis em 2023.
E entretanto “as gigantes do petróleo e do gás continuam a expandir os seus planos de produção — para uma escala três vezes superior à que um planeta habitável pode suportar”.
É preocupante, dizem os cientistas, que 15 dos 87 países responsáveis por 93% das emissões globais de dióxido de carbono (CO2) tenham gasto mais em subsídios líquidos aos combustíveis fósseis do que os seus orçamentos nacionais de saúde em 2023.
O documento também diz que, se alguns governos estão a recuar nos compromissos climáticos, há ações positivas em curso, que salvam anualmente 160.000 vidas só por não se usar carvão na produção de energia.
“A destruição de vidas e meios de subsistência continuará a aumentar até que acabemos com a nossa dependência dos combustíveis fósseis e intensifiquemos drasticamente os nossos esforços de adaptação”, alerta no comunicado Marina Romanello, diretora executiva da “Lancet Countdown” na “University College London”, uma universidade pública de Londres.
Apontando as energias limpas ou a adaptação das cidades às alterações climáticas como soluções para evitar uma catástrofe climática e trazer benefícios reais para a saúde, a responsável acrescenta: “A rápida eliminação gradual dos combustíveis fósseis continua a ser a alavanca mais poderosa para desacelerar as alterações climáticas e proteger vidas”.
Também a mudança para dietas mais saudáveis e amigas do clima e sistemas agrícolas mais sustentáveis “reduziria significativamente a poluição, os gases de efeito estufa e a desflorestação, podendo salvar mais de dez milhões de vidas por ano”, refere.
O documento, produzido em colaboração com a Organização Mundial da Saúde (OMS), diz também que enquanto as emissões relacionadas com a energia batem novos recordes, mais de 128 milhões de hectares de floresta foram destruídos em 2023 (um aumento de 24% desde 2022), diminuindo a capacidade natural do mundo de mitigar as alterações climáticas.
O relatório representa o trabalho de especialistas de 71 instituições académicas e agências da ONU em todo o mundo. É publicado pouco antes da 30.ª conferência da ONU sobre o clima, que este ano se realiza em Belém, no Brasil, de 10 a 21 de novembro.
OC/MP
Jornalista free-lancer






