O fim de cada ano é tempo de se reflectir sobre a vida, de passar em revista o que se fez, o que se adiou, e de expressar desejos.
Esta minha vida (tal como a sua) é a primeira (e única) experiência que temos de viver. Nesta vida de onde ninguém sairá vivo, todos somos observadores de passagem. Não voltaremos atrás para emendar erros descobertos tardiamente… por isso temos a responsabilidade de tentar evitá-los e de nos esforçarmos para deixar obra positiva a ser continuada pelos vindouros, e os nossos filhos e netos devem ser educados no sentido de deixarem, também aos seus filhos e netos, mais esperança no futuro e menos vergonha do passado.
Eu tenho vergonha das guerras. Nasci no decorrer de uma (1944) que deixou marcas impossíveis de retirar: a destruição atómica das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki pelos EUA, e o holocausto judeu, de uma desumanidade inultrapassável (quase… quase inultrapassável… Netaniyahu consegue fazer mais e melhor, ao ponto de poder dar razão a alguém para desculpar Hitler!).
Eu tenho vergonha de o meu país ter enviado a juventude da minha geração para um conflito colonial vergonhoso. Fui vítima dessa atitude do ditador Salazar que tirou a vida a muitos jovens, estropiou outros tantos e traumatizou quase todos.
Eu tenho vergonha dos países que invadem os seus vizinhos, matando e destruindo… e de haver quem defenda o invasor e condene o invadido, validando “o mundo ao contrário”!
Eu tenho vergonha dos governos destruidores da economia de Estado e do abandono do ensino e da saúde pública… que são tão maltratados.
Eu tenho vergonha de os governos do meu país defenderem privatizações dos bens essenciais, beneficiando entidades particulares contra os legítimos interesses de todos nós, na exploração de recursos vitais como são a água, a energia, as telecomunicações e os transportes, servindo-nos mal e facturando bem. Perante este tipo de Economia, podemos correr o risco de o oxigénio ser entregue a uma multinacional que nos cobra por respirarmos!…
Eu tenho vergonha de a maioria dos americanos ter elegido para presidente daquele país (tão poderoso na geopolítica) um homem inculto, vaidoso, arrogante e ameaçador, desrespeitador da Natureza e de toda a Humanidade.
Eu tenho vergonha de a Política, que deveria ser a nobre arte de governar (bem) os povos, se vergar aos interesses de uma Economia selvagem e à Alta Finança, sempre desrespeitadoras dos povos, permitindo que nos “empobreçam legalmente”.
Eu tenho vergonha do desvio de dinheiro público para recuperar bancos privados, abandonando os clientes que ficaram sem as economias de uma vida e perderam a casa… conduzindo ao suicídio.
Eu tenho vergonha de os nossos reformados, maioritariamente, terem menos de 300 euros mensais, condenando-os a viver à míngua depois de uma vida sofrida de trabalho. (Recebem pouco porque também descontaram pouco?… Foram roubados na vida de trabalho e continuam a ser roubados na reforma).
Eu tenho vergonha de viver num tempo de “desonestidade permitida por lei”, ao não se condenar o enriquecimento ilícito.
Eu tenho vergonha de haver políticos em exercício de governo que permitem vida desgraçada a muitos trabalhadores, e vida folgada a quem os explora e foge aos impostos.
Sei que em 2025 vou continuar a sentir vergonha desta globalização em que vivemos, concebida para se poder explorar mais eficazmente os globalizados. Apesar disso… tentem ser felizes!…
Cá por mim, espero que a raça dos Viriatos, dos Spartacus, dos destruidores das Bastilhas de todo o mundo, dos Otelos e dos Salgueiros Maias, não se tenha extinguido e possa surgir por aí um punhado de heróis, no raiar de um qualquer feliz dia, para fazer a Revolução (que nunca foi terminada), e ganharmos o futuro que merecemos.
(Este meu desejo parece-me semelhante ao de “um ateu entrar no céu”!…)
Jornalista/Cartunista