Há quem apelide os inúmeros votantes do partido Chega de fascistas, racistas, xenófobos e outros nomes feios. Disparate! A maioria nem sabe o que isso é!
Claro que há os politicamente informados. Estes sabem bem ao que vão: poder. Mas só com eles, o partido jamais chegaria ao topo das intenções de voto.
Dificilmente seria apoiante – pelo meu histórico humanista, associativista, tolerante, democrático, social, solidário e ideológico. E pela minha educação ainda em tempos de ditadura. Mas sou incapaz de ofender as pessoas anónimas que veem nessa organização uma hipótese de dar rumo às suas vidas arruinadas.
O desemprego, a falta de habitação, a insegurança, os crimes sem castigo, a corrupção, os salários miseráveis, as pensões desajustadas, urgências encerradas, interior abandonado, a criação de elites políticas com benesses incompreensíveis. Enfim, o caos social que urge resolver.
No meio deste desespero, qual tábua que anuncie a salvação é agarrada com todas as forças por quem está a naufragar. O Chega é essa “tábua”. Preparou-se de forma minuciosa. Na pose, no discurso, nas redes sociais, na comunicação global e nas bandeiras que apresenta ao povo. Mas também na desinformação e no ódio mais subtil ou assumido, aquilo a que chamam “socialismo e esquerda radical”, a todos os que não embarcam com eles. Chamam-lhe “esquerdalha”. Passaram bem a mensagem – “quem não é por nós é contra nós”. “Nós”, são os bons, “eles” são os maus. Sabem onde é que eu já ouvi, vivi , e fui vítima disto? No PREC. Pois…
Os portugueses são, na sua esmagadora maioria, conservadores e católicos. Veja-se o resultado das primeiras eleições livres em Portugal. Num tempo em que o PCP e partidos de extrema-esquerda (nessa altura, sim, existiam, e eram muitos) dominavam em toda a linha, quem venceu foi o PS, um partido social moderado; a seguir ficou o PPD, do social- democrata, Sá Carneiro. Até o CDS teve um bom resultado.
Se nem nessa altura, sob os ventos da revolução, a esquerda ou a extrema-esquerda venceu, o traço distintivo dos portugueses ficou definido – conservadores. De tal modo que todos os partidos chegaram-se ao centro ou à direita, pois era o que os cidadãos gostavam.
“Deus, Pátria e Família” é um slogan que continua a atrair muitas pessoas. Que bem o Chega o usa!
Não critico as pessoas anónimas que votam no Chega, repito. Acreditam que as coisas más vão acabar. Aquele senhor vem resolver-lhes os problemas. Estão desesperados. Precisam muito de acreditar em algo ou alguém. Sabemos que o Chega é vazio, vai trazer poucas coisas boas, se não é pior que os outros partidos é, pelo menos, igual. Mas manipula muito bem.
A minha crítica vai para os partidos tradicionais, que reputo de democráticos. PS, PSD e CDS (os donos do poder até agora) perderam as suas matrizes e, como o Chega, só pensam no poder, nos votos. Esqueceram-se das pessoas. E isso foi fatal. Para eles e para a sociedade.
Lembro-me perfeitamente (vivi esse tempo) quando apareceram os partidos, em 1974 e 1975. Faziam sessões de esclarecimento por toda a parte, respondiam a perguntas. Estavam lá para servir. E durante algum tempo, cumpriram. Mário Soares, Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa, Álvaro Cunhal, Magalhães Mota, Freitas do Amaral, Almeida Santos, José M. Tengarrinha, Angelo Correia e outras figuras de topo dos partidos, misturavam-se com as pessoas, trocavam ideias, não estavam num patamar inacessível. Podíamos conversar com eles à mesa do café.
Hoje, não. São uma casta especial. E a ganância do poder abriu portas à corrupção e a políticas dirigidas a clientelas. E nem a eleição do primeiro candidato do Chega os fez desviar desse caminho! Cegos!
Foi nesse momento que eu eu previ (era fácil. Não, não sou visionário!), como muitas pessoas que, mais tarde ou mais cedo, teríamos o Chega no poder. Era tão previsível! E vai acontecer.
Mas a cegueira do poder continuou. Os partidos do regime continuam sem rever o trajeto. Vivem num mundo à parte, muito longe de quem os elegeu. Se não mudarem o rumo, arriscam-se a desaparecer do espectro partidário.
O povo, esse, vai agonizando. Sentiu-se usado e desprezado.
Até que chegou o Chega. Lançou-lhes a rede. E o resto da história está a ser contada…

Jornalista