Na sessão realizada no Holiday Inn Porto-Gaia, moderada pelo fundador do Clube dos Pensadores, Joaquim Jorge, Ascenso Simões começou por agradecer aos presentes a oportunidade de discutir ideias num momento em que considera ser necessário reaproximar a política dos cidadãos. “Vivemos num tempo em que a política é cada vez mais uma atividade em que os portugueses acreditam pouco”, afirmou, destacando que esta perceção decorre da ideia de que os políticos estão afastados da realidade das pessoas.
Segundo ele, esse afastamento alimenta movimentos radicais que desafiam a convivência democrática. Para o ex-deputado socialista, é essencial uma análise profunda dentro dos partidos para compreender o que levou ao crescimento de formações como o Chega e as frentes mais radicais da esquerda. “Quando dizemos que é preciso combater o Chega, os moderados têm de perguntar: o que é que vocês fizeram para criar e ampliar o Chega?”, questionou, apelando à autocrítica das forças políticas tradicionais.
Ascenso Simões alertou para o impacto do radicalismo na sociedade, argumentando que “a nossa vida, a vida das nossas famílias, é cada vez mais a nossa vida, cada vez mais prolongada no tempo, agora a chegar às oito décadas. A nossa vida é uma vida normal, não é uma vida radical. Então porquê que há cada vez mais políticos radicais? Porque os moderados não correspondem aquilo que são as pessoas comuns. E como não correspondem aquilo que são as pessoas comuns, essas pessoas comuns fartam-se de não terem respostas, ” afirmando que os extremos surgem quando as pessoas deixam de encontrar respostas para os seus problemas. “E é aqui que nós devemos começar. Quanto mais nós levarmos o debate com calma, com direção, com atenção, respondendo às questões e às interrogações que os cidadãos têm, melhor será para a vida coletiva. Quando dois pais se sentam com os filhos à mesa e se contêm naquilo que em muitas circunstâncias, seria um par de tabefes, e noutras, berros altos, é melhor dialogar do que entrar num processo de escalada onde alguém vai perder. Ou somos filhos, ou somos pais e às vezes somos filhos e somos pais. Este núcleo da família deve ser a representação da sociedade”, sublinhou, comparando a convivência política ao núcleo familiar, onde a moderação e o diálogo são indispensáveis para evitar conflitos.
O antigo secretário de Estado referiu ainda, que a apesar de dever prevalecer a moderação, a monotonia do comedimento político, aliado à falta de inovação no discurso e na ação, tem desmotivado os cidadãos. “Os partidos do centro, ao serem monocórdicos, afastam as pessoas, que só têm vontade de desligar a televisão”, afirmou. Essa desconexão não se limita à política, estendendo-se a outras instituições como a Igreja, cuja relevância social, segundo Ascenso Simões, tem diminuído devido à falta de lideranças inspiradoras.
Outro tema abordado foi a desigualdade social, em particular a situação dos pensionistas. Questionado pertinentemente pelo moderador, Joaquim Jorge, sobre o aumento extraordinário de 1,25% nas pensões, posposto pelo PS, Ascenso Simões reconheceu os esforços, mas defendeu uma estratégia mais ampla e inclusiva. “O que nós precisávamos verdadeiramente era que nenhum pensionista tivesse uma pensão abaixo de 500 euros”, afirmou, alertando para os milhares de pensionistas que ainda vivem com rendimentos insuficientes, abaixo dos 300 euros.
Ao ser confrontado com os limites orçamentais e a realidade de muitos trabalhadores que, sem descontos suficientes, recebem pensões baixas, Ascenso Simões defendeu um processo progressivo para corrigir desigualdades históricas. “O que nós não podemos ter é pessoas que trabalharam de sol a sol, e porque não havia regime de segurança social na altura, serem deixadas para trás”, declarou, enfatizando a necessidade de soluções sustentáveis a longo prazo.
Joaquim Jorge, a dada altura, pediu que o político o esclarecesse se achava que o governo da AD se confinava a apresentar projetos que não avançavam: “O Governo é fazedor ou limita-se aos PowerPoints e pouco sai do papel?”, perguntou. Ascenso Simões reconheceu que o atual Primeiro-Ministro não é superior ao anterior, mas destacou a existência de alguns ministros “perigosos” e de uma equipa que carece de preparação em algumas áreas. “Temos alguns ministros melhores que os anteriores, mas outros demonstram debilidades evidentes”, afirmou, apontando para a necessidade de maior competência em pastas fundamentais.
Ao abordar a recente queda do Governo da maioria absoluta, foi direto: “Nós temos eleições fruto de uma circunstância em que o próprio governo da maioria absoluta caiu. Não foram eleições normais, quem criou as eleições foi o governo de maioria absoluta, em que a maioria absoluta caía todos os dias, ou seja, foram dois anos em que não havia semana em que não houvesse um caso. Não se pode dizer que tenha sido a oposição a derrubá-lo. Foi o governo que se esfarelou”.
Em relação ao novo governo: “Este governo nasceu de uma emergência, que foi haver eleições ainda provocadas por quem? Por uma maioria absoluta e haver uma certa impreparação, juntando-lhe uns rapazes que vêm da JSD, com algumas debilidades, mas outros que também têm alguma competência, não é? Bem, por exemplo, dizer que o ministro dos Negócios Estrangeiros não tem competência para o cargo. Tem! Dizer que a Ministra da Justiça não tem competência para o cargo. Tem! Dizer que o Ministro da Coesão não tem competência para o cargo, Tem!” Em todas as equipas há problemas, salientou, mas “quando nomeamos pessoas sem as qualificações adequadas, estamos a comprometer o futuro do país”, alertou.
Outro tema central da intervenção foi o setor da saúde, que Ascenso Simões considerou estar atolado em problemas estruturais. Segundo ele, o Ministério da Saúde sofre de uma organização interna confusa e de desperdícios significativos. “Gastamos tantos recursos no Ministério da Saúde, e, no entanto, o serviço não corresponde às necessidades do cidadão”, disse, destacando o impacto das “maçonarias internas” que perpetuam interesses corporativos.
Comparando com outros países, o ex-ministro sugeriu que a ordem dos médicos em Portugal acumula poderes excessivos. “Em Espanha, por exemplo, as competências de avaliação são meramente éticas e técnicas. O acesso à profissão é gerido pelo Estado”, explicou, apontando que, em Portugal, a ordem exerce um papel que deveria ser do Governo, como determinar o número de vagas para especialidades.
Também comentou sobre o Tribunal de Contas, que, na sua visão, tem atrasado o desenvolvimento do país. “O Tribunal de Contas é hoje uma das principais instituições que atrasam o nosso desenvolvimento”, disse, criticando a demora na avaliação de processos públicos. Contudo, sublinhou que em relação, a quando se fala em combate à corrupção, as ações não dependem apenas da atuação do Tribunal, mas de um sistema mais abrangente de transparência e fiscalização.
A renovação do Ministério Público foi outro ponto abordado. O socialista defendeu que os magistrados deveriam passar por uma formação contínua para se adaptarem às exigências modernas. “O magistrado do Ministério Público não pode ficar 30 anos sem entender as novas realidades, sem saber como aplicar o Código dos Contratos Públicos ou como interpretar as dinâmicas territoriais”, afirmou.
No final, Ascenso Simões enfatizou a importância de enfrentar os desafios institucionais com pragmatismo e visão de longo prazo. Para ele, a política precisa de lideranças mais competentes e uma abordagem mais ajustada à realidade das pessoas, deixando para trás os excessos burocráticos e os conflitos de interesses que enfraquecem as estruturas do Estado.
OC/RPC
Editor Adjunto