Henrique Gouveia e Melo, o almirante que foi Chefe do Estado-Maior da Armada, esteve na mais recente sessão do Clube dos Pensadores, em Vila Nova de Gaia. O evento, organizado por Joaquim Jorge, decorreu no Hotel Holiday Inn Porto-Gaia, com sala cheia, grande participação do público e uma enorme cobertura mediática. O tema da conversa foi a geopolítica, com especial foco no lugar de Portugal no novo xadrez internacional.
A introdução feita por Joaquim Jorge recordou o percurso do orador, desde os submarinos à liderança da “Task Force” da vacinação contra a COVID-19, passando pelo seu percurso operacional na Marinha e as suas funções ao mais alto nível no Estado-Maior.

Uma nova ordem mundial em transformação
O almirante iniciou a sua intervenção com uma viagem histórica ao pós-guerra:
“Eu queria transportar-vos para 1945, para uma reunião, que é a reunião de Ialta, que definiu a ordem internacional que nós vivemos desde 1945 até hoje. Quem eram os líderes que estavam nessa reunião? Churchill, Roosevelt e Stalin.”
Referindo-se ao contexto atual, deixou no ar o inquietante reparo:
“Se hoje houvesse uma nova Ialta, os líderes sentados à mesa seriam Trump, Xi Jinping e Putin. O que é que mudou? Tudo! O que é que está igual? Nada!”
Este cenário, segundo Gouveia e Melo, com estes novos protagonistas da ordem mundial, exige da Europa uma nova atitude e uma clara redefinição estratégica.
Capacidade versus vontade
Apresentando uma fórmula militar simples: “O poder é igual a capacidade vezes vontade.”, disse.
Apesar da superioridade económica, tecnológica e demográfica da Europa face à Rússia, o orador considera que falta “vontade política” para afirmar esse poder.
“Temos mais capacidade do que a Federação Russa, mas o que falta é vontade. A Europa precisa de se unir numa visão estratégica.”
Portugal e o seu mar: uma questão de soberania
“Portugal é um país atlântico, não é um país continental”. Gouveia e Melo destacou a centralidade geoestratégica de Portugal, com uma ênfase especial no mar e na necessidade de defender e valorizar a extensão da plataforma continental. Alertou para a possibilidade de potências estrangeiras explorarem zonas de mar nacionais se Portugal não for capaz de afirmar soberania.
“Qualquer dia temos uma plataforma chinesa visível da nossa costa”, advertiu e sublinhou a necessidade de reforçar a presença marítima, defendendo que, por exemplo, os submarinos são instrumentos eficazes de dissuasão, com custos relativamente baixos.
O papel das Forças Armadas e da NATO
Referindo-se às eleições norte-americanas e ao regresso de Donald Trump, o almirante foi direto: “Trump agita a Europa, agita Portugal e agita o mundo”. Acrescentou que “a vitória de Trump marca um novo ciclo nas relações da América com a Europa e o mundo, nomeadamente com a Rússia e a China”.
Gouveia e Melo manifestou preocupação com o menor compromisso dos Estados Unidos com a NATO, alertando que essa retração tem implicações para a segurança da Europa e, por consequência, de Portugal. “Se a América se retrai, a Europa tem de se mexer”, sublinhou, deixando no ar a questão da necessidade de um exército europeu. “A Europa precisa de um exército europeu, não para substituir a NATO, mas para não depender exclusivamente dos EUA.”
Sobre a defesa nacional, frisou ainda, “Portugal deve investir na sua capacidade de defesa, mas de forma racional, tendo em conta as reais ameaças e os recursos disponíveis”. Questionado sobre o papel das Forças Armadas no apoio à sociedade civil, não hesitou: “As Forças Armadas podem e devem ter um papel na coesão nacional, mas sem se substituir às estruturas civis”.
Estado e economia: uma intervenção mínima, mas necessária
Ao ser questionado sobre o papel do Estado na economia, respondeu:
“Todas as experiências de intervenção excessiva do Estado na economia falham. O Estado deve intervir o mínimo possível.”
E acrescentou:
“O Estado tem que ser a gelatina positiva que ajuda a economia a crescer.”
Apontou também para os riscos da manutenção da pobreza estrutural através de subsídios, defendendo antes a aposta em “elevadores sociais”.
“Economia livre para produzir riqueza suficiente para apostarmos nos elevadores sociais.”
Imigração e mercado de trabalho
Sobre a imigração, foi direto:
“A imigração não deve ser desregulada. Devemos ter uma política. Há uma faceta humanitária, mas na área económica temos que lutar pelos nossos interesses.”
Criticou ainda a existência de modelos económicos assentes em salários baixos:
“Se eu pagar 300 euros ilegalmente a um trabalhador, que raio de negócio é esse? Isso é um negócio de baixa produtividade.”
Participação cívica e democracia
Na sua visão, a democracia está em risco se não for acompanhada por uma cidadania ativa:
“Nós somos votantes. Nós somos cidadãos. Temos que exigir.”
E reforçou a importância do papel do Presidente da República:
“O Presidente deve elevar a discussão para o primeiro andar. A política do dia-a-dia já eleva a discussão para o rés-do-chão.”
Falou ainda da função da presidência como promotor de uma agenda de médio e longo prazo.
Uma candidatura presidencial?
Sobre uma eventual candidatura à Presidência da República, respondeu com ironia, depois de confidenciar que um interveniente numa sessão pública, no dia anterior, o tinha interpelado, dizendo que a sua mãe de 85 anos tinha uma ansiedade enorme em saber se ele seria candidato. “Eu respondi-lhe: Diga à sua mãe que pode ter esperança.”, preferindo manter o suspense, embora as sondagens o coloquem como o nome mais bem posicionado, com 62% dos inquiridos a admitirem votar nele. Sobre isso, o almirante respondeu apenas: “Ainda é cedo para falar disso, mas não fujo ao debate”.
Joaquim Jorge, o anfitrião, “em jeito de desafio”, aconselhou-o que a melhor data para apresentar candidatura seria entre o final de maio e o início de junho.

Uma democracia liberal vibrante
Recordando que em declarações anteriores, já tinha afirmado que se situava entre o socialismo e a social-democracia e que defendia uma democracia liberal.
“Não temos de ser pobres, sou a favor de uma democracia liberal vibrante, que garanta liberdade, segurança, equidade e prosperidade.”, afirmou.
“Não temos de ser pobres, mas temos de ser sérios e planeados”, reafirmou.
Reformas estruturais e propostas concretas
Ao longo da sessão, Gouveia e Melo avançou com várias ideias, que, segundo o próprio, poderiam ser úteis aos partidos. Entre elas: mais economia e menos impostos; reabilitação e casas modulares; imigração controlada e selecionada; e explorar o potencial do Atlântico como oportunidade estratégica para o país.
“É necessário criar um projeto de médio e longo prazo. Esse projeto tem de estar alinhado com os desejos dos portugueses: prosperidade, equidade, segurança e liberdade.”
Um pensamento estratégico para Portugal
O Almirante encerrou com um apelo à ação:
“A pior coisa é não fazer nada. Isso fará com que Portugal seja arrastado por outros atores mais capazes.”
Foi aplaudido pela assistência e saudado por Joaquim Jorge que encerrou a sessão realçando:
“O Clube dos Pensadores tem procurado promover o debate livre e plural. Recebemos todos, sem exceção, e respeitamos todas as ideias”.
A intervenção de Gouveia e Melo deixou no ar várias questões sobre o futuro de Portugal num mundo em mudança. O equilíbrio entre segurança, liberdade e desenvolvimento económico continuará a ser um tema a merecer reflexão.
OC/RPC/FA

Editor Adjunto