Sobre esta temática, cada vez mais presente no campo do que se considera autismo, Kanner, em 1943, definiu-o como “autistic disturbances of affective contact” identificando em 11 crianças alterações comportamentais marcantes e que se caracterizavam sobretudo pelo isolamento social.
Em traços gerais, as caraterísticas identificadas foram: incapacidade de relacionamento com os outros, falha no uso funcional da linguagem, desejo obsessivo de manter as coisas da mesma maneira, ansiedade (manifestavam medos desapropriados de situações e coisas comuns) e excitação fácil diante de determinados objetos ou tópicos.
Sendo assim, o autismo passou a ser considerado uma perturbação com um espectro – o
“espectro do autismo” – definido em 1979. Essa condição é caracterizada por contato social inapropriado com comunicação peculiar (incluindo a criação de palavras originais), pobreza de expressões faciais e gestos, movimentos estereotipados frequentes e inteligência normal ou acima da média, além de um comprometimento variável das competências linguísticas e cognitivas.
Tais comprometimentos e preocupações evidenciam-se em vários cenários do quotidiano,
sendo o contexto escolar especialmente significativo, dado o seu impacto em diferentes
aspetos da vivência humana.
A inclusão de alunos autistas nas escolas é um tema premente e que se torna cada vez mais relevante, tendo em conta o aumento de casos diagnosticados e a necessidade de promover uma educação inclusiva que atenda às necessidades de todos os estudantes.
A inclusão e a adaptação curricular de crianças e jovens autistas exigem modificações tanto no currículo quanto nas atividades escolares, a fim de garantir que possam participar de forma significativa nas aulas. Essas adaptações podem incluir ajustes no conteúdo curricular e o recurso a ferramentas de comunicação assertiva, especialmente visuais.
As estratégias de intervenção e apoio exigem um acompanhamento individualizado, com a
presença de tutores escolares que estimulem o desenvolvimento de habilidades sociais.
Muitos alunos necessitam de intervenções terapêuticas frequentes, das quais os professores também devem ter conhecimento, para entender melhor os efeitos secundários que essas intervenções podem provocar nas crianças e nos jovens.
A inclusão de crianças autistas nas escolas exige comprometimento e colaboração entre a
escola, a família e a sociedade. Um ambiente escolar estruturado e inclusivo contribui para o desenvolvimento de habilidades sociais, oferecendo oportunidades para que pratiquem a
comunicação, a organização e a adaptabilidade – competências essenciais para a vida adulta.
No entanto, muitos professores não se sentem preparados para lidar com crianças autistas e enfrentam sérias dificuldades ao trabalhar com elas. Diversos fatores contribuem para essas dificuldades, incluindo a falta de capacitação, a ausência de formação específica e a escassez de recursos adequados nas escolas.
A sobrecarga de trabalho dos professores e o elevado número de alunos por turma constituem desafios quase intransponíveis para esses profissionais, facto que frequentemente impede uma resposta adequada. Além disso, muitas famílias não se sentem capazes de colaborar com a escola ou o fazem de forma pouco assertiva, o que dificulta ainda mais o trabalho dos professores.
A dificuldade em estabelecer uma conexão com alunos autistas, por parte de alguns
professores, é tão evidente que frequentemente não aceitam os relatórios médicos desses
alunos de forma positiva. Este facto é, por diversas vezes, justificado pela perceção de que as orientações contidas nesses relatórios podem interferir no processo natural de ensino-
aprendizagem.
É de referir, por exemplo, alunos que revelam dificuldades ao nível da concentração e se
distraem facilmente com qualquer ruído existente em sala de aula, sendo, por esse motivo,
clinicamente aconselhados a usar auscultadores. A utilização desses dispositivos por alunos
autistas é uma estratégia comum e eficaz para ajudar a controlar a sobrecarga sensorial,
podendo evitar momentos de ansiedade e crises de pânico. No entanto, a resposta dos
professores a esta prática nem sempre é vista com agrado.
Neste contexto, é essencial capacitar os professores para que possam trabalhar com
alternativas, como combinar momentos em que o aluno possa remover os auscultadores,
permitindo-lhe ouvir as instruções dadas pelo professor.
Seria desejável que os professores adaptassem as suas atividades de modo que a utilização dos auscultadores não prejudicasse a aprendizagem dos alunos. Atividades visuais, a utilização de materiais concretos e o apoio visual às instruções do professor podem ajudar a criança ou o jovem a acompanhar uma aula sem depender exclusivamente da audição.
Em suma, a adaptação eficaz das atividades desenvolvidas em sala de aula, aliada a uma
comunicação clara entre todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, pode ser a chave para o sucesso educativo dos alunos autistas. Com práticas verdadeiramente inclusivas e bem planeadas, como a utilização de recursos visuais, ferramentas de comunicação alternativas e estratégias de regulação sensorial, os professores podem criar um ambiente acolhedor e propício ao desenvolvimento integral desses alunos.
A colaboração entre a escola, a família e os profissionais de apoio é essencial para ajustar as intervenções às necessidades individuais, promovendo a socialização e a autonomia do aluno – fatores fundamentais para o pleno desenvolvimento e inclusão dos estudantes autistas.
Esta forma de pensamento é crucial, pois todos nós temos um papel importante para com o
próximo. Deste modo, não podemos deixar de concordar com Antoine de Saint-Exupéry, autor de “O Principezinho”, que descrevia de maneira ímpar: “Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós!”.
* Docente Universitária e Doutorada em Educação
Advogado, Psicólogo e Investigador Universitário