Estes vigilantes preferem não dar a cara e nestes grupos, de algumas dezenas cada, que a Lusa acompanhou durante uma patrulha pelo centro de Maputo, não se fala de política, a mesma que levou às manifestações e conflitos pós-eleitorais que há mais de dois meses marcam Moçambique.
“Segurança à minha família, a mim, em primeiro lugar, e aos meus vizinhos, para começar. Esta situação, como toda a gente sabe, deixa toda a gente alarmada. Então, é para garantir a segurança de todos. Não só aqui do bairro, mas à volta, nos arredores, também”, explica um destes vigilantes.
“É uma organização espontânea”, garante.
A ideia surgiu de um encontro na quinta-feira entre membros dos vários bairros do centro de Maputo, deu origem a vários grupos de whatsapp organizados por zonas da cidade e na mesma noite passou à prática. A fuga de mais de 1.500 detidos da Cadeia Central de Maputo, no dia de Natal, motivou a necessidade de segurança, ainda que andem desarmados.
“Estamos todos num grupo e comunicamos se há alguma situação”, explica.
Assumem o papel de vigilantes, por estes dias, mas antes de mais são vizinhos a zelar pela segurança uns dos outros.
“Sentimos essa necessidade de segurança, principalmente depois de os prisioneiros terem fugido. Todos os bairros da cidade se concentraram, fizeram-se subgrupos para cada zona específica e o nosso objetivo é dissuadir e tentar identificar potenciais ameaças”, explica outro destes vigilantes, que tem a seu cargo as ruas do bairro Sommerschield.
Patrulhas que se prolongam pelas “horas críticas”, até às 4:00.
“Mas é para dar segurança às pessoas, somos todos vizinhos. Cada zona tem o seu grupo”, conta, sendo que durante estas patrulhas os vários grupos cruzam-se e estão sempre contactáveis para qualquer apoio.
“Se houver algum problema enviam a localização e vamos ver o que se passa. Ontem, por exemplo, encontrámos um portão aberto, um falso alarme, fomos todos lá, mas foi um falso alarme, mas houve outras zonas onde se encontraram pessoas a tentar vandalizar e, depois, em coordenação com as autoridades, elas vão lá ter. Nós só estamos a vigiar e a dar segurança, principalmente nesta zona onde nesta altura do ano há muitas casas vazias”, sublinha.
Nestes grupos juntam-se várias nacionalidades, todo o tipo de classes sociais, cada um com a sua profissão, mas são sobretudo vizinhos que não discutem política.
“Ninguém faz perguntas a ninguém, estamos aqui só mesmo para vigiar, porque sabemos que neste momento a polícia não está com a capacidade toda para ir a todos os sítios e nós somos mais uns olhos a ver e a dar segurança, porque as pessoas também estão cansadas deste sentimento de insegurança”, admite.
Moçambique vive desde segunda-feira uma nova fase de tensão social, na sequência do anúncio dos resultados finais das eleições gerais, que chegou a ser marcada por saques, vandalizações e barricadas, nomeadamente em Maputo.
Pelo menos 134 pessoas morreram desde segunda-feira nas manifestações pós-eleitorais, elevando a 261 o total de óbitos desde 21 de outubro, e 573 baleados, segundo o último balanço feito pela plataforma eleitoral Decide.
De acordo com o mais recente balanço daquela Organização Não-Governamental (ONG) moçambicana que monitoriza os processos eleitorais, com dados até ao final de quinta-feira, só em quatro dias 228 pessoas baleadas.
OC/ AJS/ Com Paulo Julião (texto) e Luísa Nhantumbo (fotos)/Lusa
Piquetes dos bairros de Maputo organizam-se para vigiar madrugadas e dar segurança a quem fica em casa
São vizinhos, juntam-se antes da meia-noite, às dezenas, de coletes refletores, em grupos espontâneos e vigiam pela madrugada as ruas de Maputo, tentando dar segurança a quem fica em casa, num ambiente constante de tensão.