Nos últimos anos, Portugal tem sido apontado, dentro e fora de portas, como um país comprometido com a educação inclusiva. A legislação é robusta, os princípios estão consagrados e a retórica política não deixa dúvidas: todos os alunos, independentemente das suas condições, devem ter lugar na escola pública. Mas entre a lei e a prática, entre os números e a realidade vivida nas salas de aula, a eficácia destas políticas continua em aberto.
De acordo com dados oficiais, no ano letivo de 2022/2023 cerca de 88 mil crianças e jovens beneficiaram de medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão. Um crescimento face a anos anteriores, acompanhado pelo reforço de recursos: mais de 7 mil docentes de apoio e cerca de 1.600 técnicos especializados.
À primeira vista, estes números são animadores. Revelam um sistema educativo atento e empenhado em responder às necessidades dos seus alunos. No entanto, por trás das estatísticas, a realidade mostra-se bem menos positiva. Muitas escolas denunciam falta de professores de educação especial, psicólogos e terapeutas. As equipas multidisciplinares não chegam para todos, os relatórios técnico-pedagógicos acumulam-se nas secretárias e nem sempre se traduzem em apoios concretos. Há disparidades evidentes entre regiões e, não raras vezes, são as famílias que carregam o peso de exigir, pressionar e até financiar respostas que o Estado não garante.
A formação dos professores constitui outra vulnerabilidade. Estudos recentes apontam que 82% dos docentes não se sentem preparados para lidar com a diversidade em sala de aula. Ora, sendo os professores o pilar fundamental da inclusão, é legítimo questionar como alcançar resultados consistentes quando a maioria não dispõe das competências e dos recursos necessários. O problema não reside na dedicação — que frequentemente leva os profissionais a superar limites pessoais —, mas na ausência de uma estratégia estruturada de formação inicial e contínua.
É inegável que houve avanços. Hoje, temos mais recursos, maior consciência social e melhores instrumentos legais do que há uma década. Mas a eficácia das políticas inclusivas não pode ser medida apenas pelo número de alunos sinalizados ou pelas horas de apoio registadas. A verdadeira inclusão vê-se na participação plena, no sucesso educativo e, sobretudo, na experiência que cada criança vive dentro da escola.
A realidade mostra-se bem diferente quando se ouvem as famílias. Na passada quarta-feira, em Lisboa, o Movimento para uma Inclusão Efetiva (MIE) reuniu perto de uma centena de pessoas em frente ao Ministério da Educação. A maioria eram pais de crianças com necessidades educativas especiais, que exigem mais apoios, mais terapeutas nas escolas e o cumprimento efetivo do Decreto-Lei n.º 54/2018, que estabelece o regime jurídico da educação inclusiva em Portugal.
Entre os manifestantes, a indignação e a angústia eram evidentes. Muitos pais relatam que os seus filhos continuam a ser excluídos de atividades extracurriculares e recusados em ATL, situação que consideram uma violação dos direitos fundamentais das crianças. Uma mãe desabafou: “Não é justo termos de abdicar do trabalho porque não há onde deixar os nossos filhos”. Outros denunciaram ausência de terapeutas, apoios insuficientes para tratamentos essenciais e até episódios de bullying e violência escolar discriminatória que resultaram em hospitalizações prolongadas.
O MIE garante que, apesar da legislação, a realidade ainda está longe de corresponder aos princípios da inclusão. O Ministério da Educação, por seu lado, assegura que está em curso uma avaliação externa, destinada a identificar de forma mais precisa as necessidades do ensino inclusivo no país.
Para os manifestantes, porém, não há mais tempo a perder. Reclamam apoios imediatos, recursos adequados e maior atenção do Governo, considerando a situação injusta tanto para as crianças como para as famílias, que dizem estar a lutar diariamente pelo direito básico à educação dos seus filhos.
Se queremos uma escola verdadeiramente inclusiva, precisamos de ir além das intenções. É urgente investir de forma consistente em recursos humanos especializados, reduzir a burocracia que afoga os professores, garantir formação sólida para todos os profissionais e monitorizar o impacto real das medidas aplicadas. A inclusão não é um favor que se concede: é um direito inalienável.

Professora e Escritora. Doutorada em Educação