O Teatro da Comuna estreia na quinta-feira, em Lisboa, “O arquiteto e o imperador da Assíria”, de Fernando Arrabal, peça encenada por João Mota que a considera “cada vez mais atual e um tiro no próprio charco onde chegámos nesta selva”.
“Há muito conhecida” de João Mota, que já pensara levá-la a cena “há anos”, protagonizada por Álvaro Correia e Carlos Paulo, a peça chega agora ao palco de A Comuna – Teatro de Pesquisa numa altura em que “as guerras no mundo não páram” e em que “falta um exemplo de um grande, como Mandela ou Luther King”, disse o encenador em entrevista à Lusa.
“E não há em parte nenhuma do mundo [alguém como eles]. Não é só o problema português. Não há”, frisou João Mota a propósito da peça mais conhecida de Arrabal, uma obra designada por especialistas como do Teatro do Absurdo e da Crueldade que põe em confronto temas como o primitivo e o civilizado, o poder, a política e a identidade e crítica social.
Escrita em 1967 pelo dramaturgo e realizador espanhol nascido em 1932, então exilado em França onde vivia desde 1955, a peça é protagonizada por dois personagens masculinos, que debitam uma sucessão de ‘sketches’, muitos dos quais de completo ‘no sense’ e sem um fio condutor da narrativa.
A natureza humana, a condição humana, dominador e dominado são temas transversais à peça que João Mota definiu como “um jogo de crianças, do princípio ao fim”, que espelha o “turbilhão e a corrida louca” em que vivem as sociedades atuais e nas quais se “volta novamente aos primatas”.
Uma sociedade “onde o sonho já não existe sequer”, afirmou o encenador, remetendo para uma fala da peça – “Quando eu era novo, tudo era diferente e tinha sonhos” -, onde há sempre a presença de uma mãe, o que acha “profundamente psiquiátrico ao mesmo tempo”.
Para João Mota, “O arquiteto e o imperador da Assíria” tem também “uma capacidade de entrega” que não existe nas sociedades atuais ditas civilizadas. “Essa capacidade de entrega e de receber está cá nesta peça, mas há o dominador e o dominado” e, a determinada altura, o “dominado passa a ser dominador”, acabando por perder “toda a sua sensibilidade, tudo o que sonhou”, observou.
Com música do filme “Viva la muerte” (1971) – longa-metragem sobre a opressão franquista, passada em plena Guerra Civil de Espanha, realizada por Arrabal e inspirada na prisão do seu pai, um oficial de ideias republicanas, condenado à morte e mandado para um asilo psiquiátrico, de quem o filho nunca mais soube – o cenário da peça fixa-se numa ilha onde o arquiteto, o nativo, vive sozinho.
Uma cabana, uma cadeira rudimentares, uma arca e o chão de areia marcam o cenário onde, momentos depois, se ouve um ruído de um avião, uma explosão e as chamas irrompem, onde chega o imperador, assumindo-se como “o último sobrevivente do desastre”.
As personagens convivem durante dois anos, com o imperador da Assíria a ensinar coisas novas ao arquiteto, sempre a dominá-lo e ignorando os dons deste de fazer a montanha desaparecer, de os pássaros lhe lançarem água ou de conseguir que se faça noite e dia com duas simples expressões.
“Isto é um jogo, é um jogo para dois atores (…), são ‘sketches’, parece que são ‘sketches’, mas tem um fio muito grande e tem a mãe por trás disto tudo”, acrescentou João Mota sobre o espetáculo.
“Não nascemos para ser protagonistas, nascemos para estar uns com os outros; mesmo no teatro”, frisou João Mota sobre a peça que “assume a natureza e a condição humanas” diariamente.
“O que atualmente não temos coragem de fazer”, adiantou, enquadrando ainda este texto de Arrabal na época do “movimento de pânico, que também era pela destruição”.
“Mas eu acho que esta peça não se destrói a ela própria. Cria um elemento novo que é eu vou ser melhor”, frisou, ressalvando, todavia, que acaba por vir outro, “o único sobrevivente, que vai de novo dominar outro”.
Em cena na sala nova até 14 de dezembro, “O arquiteto e o imperador da Assíria” tem récitas à quarta e quinta-feira, às 19:00, à sexta-feira e ao sábado, às 21:00, e, ao domingo, às 16:00.
Com tradução de Luis Vasco, a partir da edição de 1992 publicada pela revista académica sobre literatura espanhola contemporânea Esterno, que colige as versões em francês e em castelhano da obra, a peça tem interpretação de Rogério Vale e Francisco P. Almeida.
Com Miguel Sermão e a estagiária da Escola Secundária D. Pedro V Madalena Nestório, na assistência de encenação, a peça tem desenho de luz de Paulo Graça, ambiente sonoro e sonoplastia de Hugo Franco e cenografia de Renato Godinho e João Mota.
A operar a luz e o som estão Hugo Franco e Bruno Simões.
OC/MP






