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Terça-feira, Novembro 5, 2024

Carlos Galinha – ” Regionalismo não pode ser esquecido pelos autarcas e pelo Governo”.

O Presidente da Casa do Concelho de Tomar em Lisboa, Carlos Galinha, considera que “o Regionalismo está a passar por momentos difíceis”, mas não se dá por vencido.

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Se houver união entre todas as casas regionais vamos acabar por conseguir mais apoios das Câmaras Municipais e do Poder Central”, esclarece a O Cidadão este templário ferrenho, que não desiste facilmente dos projectos que envolvam a temática do regionalismo.

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“Manter uma Casa Regional em Lisboa requer muita dedicação!” – Carlos Galinha
Foto de JOSÉ PEIXE

Que futuro prevê para o regionalismo em Portugal?

Boa pergunta. Costuma dizer-se que o futuro é sempre aquilo que nós quisermos determinar. Na minha singela opinião, se todos trabalharmos em conjunto, o futuro do regionalismo poderá ser risonho. Não podemos ver Portugal e o regionalismo como se fossem quintinhas, como temos observado até hoje.
Não sei se fará sentido (claro que todos nós defendemos a nossa região e muito bem!). É óbvio que a diversidade de cada região é que gera a riqueza cultural, todavia acho que existem pormenores que nós podemos trabalhar todos juntos. E todos ganhamos com isso! Porque o que uns têm e os outros não, se nos juntarmos, podemos ganhar mais dividendos. Aliás, a união faz a força e isso acaba por fazer a diferença quando estamos a falar do regionalismo.

Considera que essa união que defende vai ser possível?

Sinto que do ponto de vista cultural, Portugal está muito dividido. No que diz respeito a Lisboa, acho que se houvesse mais união entre todas as casas regionais e trabalhássemos em conjunto, podíamos ter uma perspectiva mais longínqua e não uma visão tão pequena e tacanha. Ou seja, podíamos fazer muito mais pelo futuro do regionalismo. Trabalhar em quintinhas isso não favorece o regionalismo.
Por isso é que vemos muitas áreas do regionalismo a perderem a motivação. E importa dizer preto no branco que trabalhar na defesa do regionalismo exige muita dedicação e muito tempo da nossa vida pessoal e profissional. E depois é como tudo na vida. Uns dedicam-se a esta causa nobre de corpo e alma. Mas outros não estão dispostos a abdicar do seu tempo com a família em prol do regionalismo. Mas se não houver dedicação e trabalho os resultados não aparecem.

E Carlos Galinha avança com um exemplo bem esclarecedor:

Se nós tivermos uma quinta e o caseiro não estiver lá todos os dias, as ervas daninhas crescem e ninguém as corta. Se tivermos 100 borregos nessa quinta e se não andarmos todos os dias a cuidar do pasto e de olho no bem-estar dos animais, o rebanho pode passar a ter 90 cabeças em vez de 100 que ninguém repara. Ou seja, desapareceram 10 borregos e ninguém deu por isso! Isto é como todas as empresas que nós gerimos. Se não as acompanhamos por perto e diariamente, podemos ter alguns dissabores.
Como em qualquer empresa, o Controlo Interno é fundamental, mas será sempre preciso a presença assídua dos dirigentes associativos a acompanhar a Associação.
Só podemos resolver em tempo útil os problemas que vão surgindo, se os conhecermos em tempo útil, mas para os conhecermos temos de estar presentes. Todos os dias, surgem novas situações, algumas de fácil resolução em que é tomada logo a decisão, outras serão necessárias avaliar mais profundamente o impacto na vida da Associação e depois decidir-se qual a solução a tomar.

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“O poder central deve ter mais consideração pelas Casas Regionais de Lisboa”. Foto de JOSÉ PEIXE

Porque é que as novas gerações não se dedicam ao regionalismo?

Isso tem a ver com o facto de actualmente as pessoas não sentirem o pulsar das suas terras de origem no coração. Hoje, a maioria das pessoas consideram-se cidadãos do mundo. Eu tenho visto alguns programas na televisão que demonstram o envelhecimento de Portugal. No interior do país, continuam a sentir-se muitas dificuldades para garantir mão de obra para apanhar azeitona, tirar a cortiça dos sobreiros ou fazer as vindimas. Mesmo o ritual da matança do porco, que no passado reunia muitas famílias e amigos, hoje quase não existe.
Os costumes culturais eram transversais no nosso país e as pessoas faziam questão de defender as suas regiões de origem. Agora, tirando as festas e romarias que acontecem no Verão um pouco por todo o país, quase nada nos liga às terras onde nós nascemos. Fazemos parte de uma sociedade globalizada. E isso é mau. Mas é aqui que o regionalismo poderá fazer a diferença.

A que se deve a ausência dos jovens nas associações como a Casa do Concelho de Tomar?

Muitos jovens portugueses vão estudar para o estrangeiro, terminam os seus cursos e decidem ficar por lá. Só regressam às suas terras de origem na altura das festas ou pelo Natal e a Páscoa. Outros vão estudar para Lisboa, Porto, Coimbra ou Faro e cortam relação com as suas origens. Vão, esporadicamente, às suas terras para passar um fim de semana prolongado com os avós e pais, mas nada mais do que isso. Hoje é tão fácil mudarmos as nossas áreas geográficas que acabamos por aniquilar as nossas raízes culturais. As gerações mais novas que estão a estudar em Lisboa só aparecem nas casas regionais se houver eventos que lhes agradem. Mas pertencer aos corpos directivos, isso é muito raro. E como nós sabemos, o regionalismo necessita de sangue jovem para manter uma dinâmica activa.


O poder central está ciente das dificuldades que as casas regionais, em Lisboa, enfrentam ou nem por isso?

O governo central não está nada preocupado com as dificuldades que nós sentimos. Mas o poder autárquico devia ter mais responsabilidades com as casas que representam as diferentes regiões e concelhos do país. São estas casas que continuam a representar a cultura de alguns concelhos ou distritos.
Não sou defensor de apoios apenas nas vésperas de eleições. Sou um defensor dos contratos de programa ou subsídios para aqueles que continuam a trabalhar por uma região. Tem é que aparecer trabalho feito.
O Governo central podia apoiar as associações e as casas regionais, nomeadamente no que diz respeito à parte fiscal. Fomentar os chamados apoios indirectos. Porque não isentar de impostos as casas regionais e algumas associações que se dedicam à defesa cultural de algumas regiões. Nomeadamente na energia eléctrica, água e limpeza das sedes entre outros serviços. Não compreendo porque é que somos obrigados a pagar IVA 23% nestes serviços.

Mas acha que um destes dias o Governo poderá avançar com alguns benefícios?

Espero bem que sim. Nós não podemos continuar a ser encarados como os parentes pobres da dinamização cultural das nossas regiões. Devemos ser encarados e tratados, isso sim, como os embaixadores das nossas regiões na capital do país.
Também não faz sentido, quando nós fazemos obras em sede própria, beneficiando a comunidade e os utilizadores do edifício, estarmos a pagar IVA sobre os produtos e serviços adquiridos. As obras que fazemos são a pensar no bem-estar, segurança e conforto das pessoas que nos visitam e frequentam as nossas Instalações. E também não faz sentido que alguns eventos que nós fazemos, com a intenção de manter o regionalismo, sejam tributados.
As Casas Regionais, pelo fim que representam, deveriam estar isentas de Impostos, pois as Associações são elo mais próximo da Comunidade, e estas, devem existir para servir a Comunidade. O dirigente associativo cada vez mais tem de ter muitos conhecimentos técnicos, legais e de Organização para gerir uma Associação. Já dão muito do seu tempo, dos seus conhecimentos, tudo gratuitamente, espero que não peçam ao dirigente associativo para dar a sua carteira, quando prestam um serviço à comunidade.

Quais são as maiores dificuldades que as casas regionais enfrentam?

Nós, por exemplo, aqui na Casa do Concelho de Tomar temos espaços que são cedidos a outras entidades comerciais. As contrapartidas financeiras recebidas servem para garantir a sustentabilidade financeira da nossa associação, mas no final do ano somos obrigados a pagar o IRC dos valores que recebemos. Isso não faz sentido! Essas receitas servem para nós fazermos face às despesas que temos. Não estou a pedir facilidades, mas deveriam abrir uma excepção fiscal para as associações regionais.
E esta realidade pode levar-nos a uma situação que acontecia há 40 anos. Não existia contabilidade organizada e apostava-se na escrita paralela. Nós não somos defensores da ilegalidade. Queremos transparência fiscal e cumprir as regras. Não queremos ser uma excepção à regra!

Muitos políticos e autarcas desconhecem o papel das casas regionais em Lisboa. Porquê?

Muitos desconhecem completamente a nossa existência. E ainda existem outros que acham que as casas regionais em Lisboa só servem apenas para organizar festivais de folclore. Mas as casas regionais são muito mais do que isso. A defesa da cultura portuguesa não passa apenas por folclore! Passa, isso sim, pela defesa de alguns concelhos e regiões.
Não é fácil manter um espaço regional em Lisboa. As rendas estão pela hora da morte e, depois, as despesas exigem muita dedicação dos dirigentes. A isenção dos impostos para as casas regionais seria um enorme apoio ao regionalismo. Eu defendo esta regra, mas é importante haver um escrutínio para justificar essa mesma isenção. Não sou a favor de andarmos de mão estendida a mendigar excepções fiscais do poder central.
Se formos beneficiados, temos que dar provas de que merecemos essas benesses. Ou seja, temos que mostrar trabalho e dedicação às causas regionalistas.

Como é que algumas associações ainda conseguem resistir?

É preciso ter em conta o seguinte: todas as pessoas que trabalham e assumem lugares de dirigentes nas associações regionais, fazem-no de forma gratuita. Abdicam de passar tempo com as suas famílias para se dedicarem de corpo e alma ao associativismo. Só assim é que algumas casas ainda vão resistindo.

E como classifica a inércia dos próprios municípios nesta área?

O alheamento de algumas câmaras municipais deve-se ao facto de as casas regionais ainda irem funcionando com base na “carolice” de alguns dirigentes. No caso concreto da Casa do Concelho de Tomar é muito fácil chegar aqui e dizer que nós somos a embaixada dos tomarenses em Lisboa. O problema é que existe muito trabalho que foi feito por um grupo de “tomarenses carolas” que roubam muito tempo às suas famílias. Quando esse trabalho deixar de ser feito, a Casa do Concelho de Tomar tem tendência para definhar. E será assim noutras casas regionais.
Por norma os municípios prometem muito, mas apoiam pouco. O que lhes interessa é que se continue a promover a cultura regional. Só que as pessoas começam a cansar-se.
Nós aqui temos um património próprio e é mais fácil aguentar a estrutura. Mas já houve casas regionais em Lisboa que encerraram as suas portas porque não conseguem suportar as rendas nem as despesas.

Que balanço faz de todos estes anos como presidente da Casa Regional do Concelho de Tomar em Lisboa? Valerá a pena continuar?

Já me colocaram essas questões várias vezes e eu tenho dificuldade em responder. Quando vim para Lisboa e me convidaram para pertencer à direcção da Casa do Concelho de Tomar, em 1993, aceitei esse desafio. Era um jovem estudante e achei que esta associação podia funcionar efectivamente como uma embaixada de Tomar em Lisboa. Um sonho que veio a desvanecer-se com o passar do tempo.
O que me faz andar aqui ainda é perceber que todo o tempo que se investiu foi bem empregue. No futuro, tenho dificuldade em perceber se vale a pena continuar. Se essa dedicação vale mesmo a pena.

Chegará o momento em que os jovens tomarenses a viver, trabalhar e estudar em Lisboa se vão interessar pela Casa do Concelho de Tomar?

Tenho dificuldade em saber neste momento se existem a residir em Lisboa tomarenses jovens dispostos a trabalhar gratuitamente para a promoção da região de Tomar. Faço votos que um dia possa aparecer sangue novo para alimentar este sonho.
Esta casa foi lançada há 81 anos por um grupo de tomarenses que tinha dificuldades em deslocar-se a Tomar e queria ver em Lisboa a cultura da sua terra bem representada.
É preciso ver que que nessa altura as pessoas iam a Tomar de seis em seis meses ou uma vez por ano. As pessoas imigraram para Lisboa. E mantinham as suas amizades aqui na Casa do Concelho de Tomar. Hoje, existem pessoas que trabalham em Lisboa e vão dormir todos os dias a Tomar. Esta é a grande diferença.

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Homenagem aos construtores civis (patos bravos) oriundos da região de Tomar. Foto de JOSÉ PEIXE

O regionalismo está também ele envelhecido?

Uma casa regional tem responsabilidades como se fosse uma empresa e requer muita dedicação dos corpos directivos. Eu conheço os problemas reais desta associação, porque passo por aqui quase diariamente. A gestão não pode ser feita à distância, como algumas pessoas pensam.
Isto quer dizer que no futuro, a maioria das casas vão ter dificuldades para manter a sua existência, uma vez que não se consegue cativar jovens para as direcções.
As direcções das casas regionais estão envelhecidas. E o futuro do regionalismo vai ser difícil. Nós organizamos aqui alguns eventos gastronómicos e dificilmente vemos jovens abaixo dos 30 anos presentes. Não quero ser pessimista mas o pessoal mais jovem não está disposto a sacrificar-se pelas suas regiões de origem. Podem existir algumas excepções, mas confesso que se avizinham muitas dificuldades para o regionalismo em Lisboa.

O Carlos Galinha vai continuar como presidente da Casa do Concelho de Tomar?

Acho muito difícil. Quando terminar este mandato, em 2026, vou abandonar a direcção da Casa Regional do Concelho de Tomar. É um dado concreto e objectivo. Poderei ajudar e colaborar em situações muito pontuais, mas está na altura de sair.
Decidi aceitar este mandato porque quis fazer algumas melhorias na casa ao nível do sistema eléctrico e de canalizações. Seria muito mau se eu continuasse como presidente da direcção. Já aqui estou há 10 anos e por isso mesmo vou dar o lugar a outros.

Como define o regionalismo?

O regionalismo para mim é a aproximação das raízes onde nascemos ao local onde nós estamos. Mas não estou a defender apenas e só a minha região. Estou a falar de Portugal como um todo.
Nós, enquanto Casa do Concelho de Tomar, estamos sempre disponíveis para abrir as nossas portas a outras casas regionais. Regionalismo para mim é trazer as várias culturas regionais do país a Lisboa. Essa partilha é fundamental para o futuro do regionalismo.

*O autor escreve com as regras do antigo acordo ortográfico

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