O colapso é iminente e a violação de direitos fundamentais é uma realidade incontestável.
A dificuldade do Estado Português em oferecer respostas eficientes e eficazes aos imigrantes que procuram a Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA), herdeira do antigo SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), é evidente.
Sem alternativas perante os frequentes atrasos nos processos de regularização, os imigrantes estão a inundar os tribunais com milhares de ações. Para superar este cenário, são necessários dois movimentos: primeiro, reconhecer que se está diante de um estado de coisas inconstitucional, caracterizado por violações massivas, generalizadas e sistemáticas dos direitos fundamentais dos imigrantes; segundo, estabelecer um diálogo estrutural entre os poderes e a sociedade para superar os bloqueios políticos e institucionais.
A Constituição da República Portuguesa reconhece os direitos dos imigrantes como fundamentais. Estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres dos cidadãos portugueses. Entre esses direitos estão a educação, saúde, trabalho, participação política, reagrupamento familiar e proteção contra discriminação.
Além das garantias constitucionais, Portugal é signatário de diversas convenções internacionais, como a Convenção Internacional sobre Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros das Suas Famílias, que visa proteger os direitos dos trabalhadores migrantes e suas famílias. Apesar dessas proteções legais, a AIMA tem, reiteradamente e de forma diária, violado estes direitos fundamentais.
A violação dos direitos fundamentais dos imigrantes é massiva, generalizada e sistemática, facilmente perceptível pela crescente demora da AIMA em cumprir prazos e fornecer respostas razoáveis aos pedidos legítimos que aguardam posicionamento oficial. Rui Barbosa, renomado jurista brasileiro e internacionalmente conhecido como a Águia de Haia, afirmava que a ausência de resposta oficial é pior do que uma decisão ruim.
Este limbo jurídico, que faz os imigrantes afundarem cada vez mais em um pântano desconhecido, torna evidente a necessidade de o Estado Português reconhecer um estado de coisas inconstitucional na questão migratória. Embora seja um fenómeno tipicamente latino-americano, originado na Corte Constitucional da Colômbia e ampliado no Supremo Tribunal Federal brasileiro, trata-se de uma decisão tipicamente estrutural com pretensões estruturantes.
E vejamos, foi neste sentido que o próprio Supremo Tribunal de Justiça português tomou uma decisão importante que impacta a vida de muitos imigrantes em Portugal. A partir de agora, a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) está obrigada a cumprir o prazo de 90 dias para decidir sobre os pedidos de autorização de residência.
Tal medida é acima de tudo um impulso para garantir que os direitos, liberdades e garantias dos solicitantes sejam respeitados, pondo fim às situações de “indignidade” causadas pela demora na análise desses pedidos.
Isto porque como referimos, apesar de esta demora não apenas comprometer a estabilidade dos solicitantes, também os coloca em situações vulneráveis, como a impossibilidade de trabalhar legalmente, acessar serviços públicos ou até mesmo garantir o sustento de suas famílias.
Assim sendo, a AIMA tem um prazo legal de 90 dias para decidir sobre os pedidos de autorização de residência. Caso o prazo não seja cumprido, os solicitantes têm o direito de entrar com uma ação judicial no tribunal competente.
Perante a clara e contínua afronta aos direitos constitucionais fundamentais, mesmo após a criação de uma agência específica para tratar do tema, as crescentes demandas judiciais exigem uma nova postura do Poder Judiciário português.
O cenário jurídico e factual requer decisões de caráter e perspectiva estrutural, levando o Judiciário a não mais focar em demandas individuais e pontuais – claramente insuficientes –, mas sim a estabelecer um diálogo entre os poderes e a sociedade, com o objetivo de construir pontes que superem os bloqueios políticos e institucionais.
O tradicional processual individual, enraizado no século XIX, foi superado pela realidade atual, pressionando os Estados e os seus poderes a reconhecerem os desafios contemporâneos e a buscarem respostas colaborativas e conjuntas.
A clássica separação dos poderes e o tradicional equilíbrio entre freios e contrapesos exigem novas perspectivas, visões, pensamentos e ações que, deixando de ser essencialmente individuais, passam a ganhar contornos cada vez mais coletivos, difusos e dialógicos, orientados pela via estrutural.
E é nesta perspectiva de entender o coletivo e o respeito pelo próprio que sempre defenderemos o merecer por parte de todos de forma igualitária o ser digno – como também bem referia Immanuel Kant, “Cada coisa tem o seu valor. O ser humano, porém, tem dignidade!
Pedro Nogueira Simões e Laone Lago (juristas e docentes universitários)