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Quinta-feira, Abril 24, 2025

Vida de tartaruga

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É madrugada e o sono fugiu de mim como um gato sobre brasas. Não consigo parar de pensar na tartaruga.

Passei uma boa parte de um fim de semana a observar a tartaruga. Sim, uma tartaruga real, animal de estimação numa casa de família.

Ali estava ela a apanhar sol sobre uma telha rodeada de água do seu aquário, estrategicamente colocado a um canto de uma varanda.
De um preto e verde vibrante e olhos pequenos e brilhantes, ela aproveitava, vagarosa o sol quente de início de verão.

Não pude deixar de sentir uma profunda compaixão por aquele animal que vive uma vida de ilusão. Alimentada pelos seus donos ora com ração, ora com legumes, ela vai vivendo dia após dia uma vida condenada. É a única realidade que ela conhece, mas ainda assim uma realidade terrível.

Segundo pude apurar (e sim, dei-me ao trabalho de investigar isto), a esperança média de vida de uma tartaruga doméstica é de 40 anos. 40 anos de solidão, longe dos da sua espécie, reduzidos ao contacto com os seus donos humanos, alimentada de ração, sem conviver com outros indivíduos, sem ter de caçar para comer, sem procriar, sem nadar em espaços vastos. Enfim, uma vida sem riscos e sem experiências. Vazia. Existir só por existir.

Aquele pequeno animal come a ração que é posta na mesma água onde nada e onde faz os seus dejetos.

A dada altura, perguntei ao dono que água é que ela bebia. Não soube dizer-me.
Enquanto estendia as minhas mãos abertas ao animal para que me conhecesse, não pude evitar pensar como seria a vida dela se fosse deixada no seu habitat natural. Morreria, com certeza, mas não sem antes experimentar o medo de não saber como usar os seus instintos naturais por falta de ter desenvolvido, ao longo da vida, as experiências necessárias. Falta de apetências.

E é assim também connosco, humanos, quando não ousamos viver sem medo de viver. Ficamos nos aquários das nossas vidas a nadar em espaços limitados, sem horizontes.
O medo de arriscar o desconhecido, limita-nos as competências. Limitados nas competências, não vivemos, sobrevivemos, apenas existimos.

Dia após dia, com medo de sonhar, de arriscar, de ir em sentido contrário aos demais. Medo de amar, de ser amado, de ser feliz.
Há alguns anos atrás li em alguma parte que os medos são as correntes que prendem o Homem à mediocridade. Concordo.

Vamos vivendo dia após dia como aquela tartaruga: dias iguais, alimentados pela ração da rotina. Experimentamos as pessoas que entram e saem pelas portas sempre giratórias das nossas vidas. Sempre à espera da concretização daquele projeto, daquela mudança de carreira, daquele beijo capaz de parar o tempo, daquele passeio de mãos dadas, daquele abraço que aquece a alma. Dormentes.

Desde já me desculpo pelo tom lúgubre, mas o objetivo aqui não é entristecer, é sacudir. É desafiar a sair do aquário, esquecer as horas passadas em cima da telha ao sol da mesmice e viver sem medo de viver. Ousar olhar o medo nos olhos e dizer-lhe: “eu não tenho medo de ti, medo!”
E assim fazendo, deixar para trás a vida de tartaruga.





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