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Sexta-feira, Maio 16, 2025

Uma vida para te amar

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Pelo título pode muito bem parecer que iremos contar aqui uma história daquelas de fazer chorar as pedrinhas da calçada, mas, não.

Como advogada, tenho a honra e o privilégio de ser chamada a intervir na vida e na privacidade das pessoas com o objetivo de cirurgicamente resolver uma questão que as incomoda. Isto feito, devo remover-me e deixar a vida seguir o seu curso.

O caso aqui vou relatar é verídico e é um dos que mais me marcou em mais de uma década de profissão.
Por razões de privacidade e sigilo profissional serão omitidos nomes e lugares.

Estávamos em 2020, em plena pandemia, em confinamento.
Certo dia, recebo, via WhatsApp, uma chamada de uma senhora estrangeira desesperada. Relatou-me estar há mais de um ano a tentar celebrar casamento com um cidadão português, mas estava impedida por razões burocráticas.

Queria casar em Portugal por razões ligadas à logística do casamento e da presença dos convidados, mas, iniciado o processo na Conservatória do Registo Civil, foi o mesmo participado ao Ministério Público, em cumprimento de imposição legal, com vista à investigação de eventual casamento branco.

Entre a pandemia, o confinamento e o teletrabalho, o processo ficou esquecido algures, em alguma mesa ou alguma prateleira.
Mas a situação tinha outros contornos para além dos burocráticos. Contornos mais humanos. A senhora em causa era doente oncológica. Lutara e vencera quatro tumores. Estava retida no seu país por força da realidade pandémica e separada do homem da sua vida. Os contactos entre os dois eram feitos por vídeo chamada. Eram ambos adultos maduros, com filhos, também  adultos, e o tempo fugia, impiedoso. Eles queriam passar o resto dos seus anos juntos e não separados.

Lembro-me de ter ficado impactada pelo relato. Prometi estudar o processo e fazer o que estivesse ao meu alcance.

Sucederam-se os requerimentos, invocaram-se direitos constitucionais fundamentais e a sua violação grosseira, mas, do outro lado, só o muro do autismo de quem está confortável no seu mundo, na sua bolha e para quem o drama alheio é apenas isso: alheio.

E este ainda era o cenário no final do ano de 2021 quando ambos decidiram que casariam no país dela e se transcreveria, posteriormente, o assento de casamento para o ordenamento jurídico português.

Seguiram-se as certidões, as apostilas, as certificações.

O casamento realizou-se, finalmente, em agosto de 2022 no estrangeiro.
Recebida a certidão de casamento devidamente apostilada, tratei de, na Conservatória de Registo Civil, iniciar o processo de transcrição do casamento para o ordenamento jurídico português. O processo ficou novamente parado devido ao processo de investigação que (ainda) estava estagnado no Ministério Público.

Foram feitas reclamações, interpelações, requerimentos, mas só no final de 2023 se logrou atingir o objetivo.
Finalmente, eles podiam estar juntos, casados, tal como haviam desejado.
O abraço que recebi de ambos quando nos encontramos, foi indescritivelmente gratificante.
De lá para cá, não sei como está a vida do casal, afinal, tal como é minha função, intervim, resolvi e removi-me, mas quero acreditar que também aqui, viverão felizes para sempre.
Para nós fica a lição: o amor “Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” (1 Coríntios 13:7).

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