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Sábado, Fevereiro 8, 2025

Tudo está bem quando acaba bem, mesmo que não cheire bem

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Constituiu um sucesso sem precedentes a campanha pública de angariação de fundos, realizada em 2015-2016, para a compra da pintura Adoração dos Magos, da autoria de Domingos António de Sequeira, e para que essa obra de arte ficasse no lugar certo onde se encontra, o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA).

Os contributos foram muito diversificados, abrangendo milhares de cidadãos, pessoas colectivas públicas e particulares, o que revela o interesse e importância que se conferiu (e confere) a essa obra executada em Roma, nos últimos anos da carreira do notável pintor português, justamente classificada como bem de interesse nacional, em 2021, pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC).

Depois disso, a importância cultural e o interesse público de qualquer uma das outras três obras do mesmo conjunto de pintura religiosa de Domingos Sequeira, ainda pertencentes a Alexandre de Sousa Holstein, dificilmente poderiam ser desconsiderados.

No entanto, veio a público, através da comunicação social, que outra obra desse conjunto, Descida da  Cruz, obteve autorização de exportação em 2023 por parte da DGPC, a qual considerou inoportuna – sem fundamentar – a sua classificação. Mais insólito ainda, é tê-lo feito contrariando manifestamente os pareceres especializados que tinha solicitado.

A secção portuguesa do Conselho Internacional de Museus tornou então pública a sua indignação por essas decisões das autoridades públicas que levaram a que o quadro fosse colocado à venda no estrangeiro, uma «situação gravemente lesiva» do património cultural nacional.

O Estado português terá depois tentado comprar a pintura, à venda na Feira Europeia de Belas Artes de Maastricht, mas o preço proposto (850 mil euros) não foi aceite pelo proprietário. A obra acabou por ser adquirida pela Fundação Livraria Lello que anunciou a sua decisão de a ceder para exposição permanente, pelo período de três anos, ao Museu Nacional Soares dos Reis (MNSR), depois de a exibir na sua sede, o Mosteiro de Leça do Balio, durante algumas horas, a um público restrito, o que aconteceu no passado dia 18 de Maio, Dia Internacional dos Museus, e passou em vídeo nos telejornais.

De acordo com a comunicação social, este desfecho terá constituído um «alívio» para o ex-ministro da Cultura Pedro Adão e Silva, após a ocorrência do que este classificou como uma «lamentável falha dos serviços». Os serviços sob a sua tutela, há que sublinhar.

Apesar disso, não há notícia de ter havido por parte do governante qualquer outra reacção, no caso expectável, nomeadamente o procedimento relativamente aos autores da «falha», aos responsáveis na DGPC pelas decisões que viabilizaram a saída do quadro para venda no estrangeiro, quer a que considerou inoportuna, sem justificação, a sua classificação como bem de interesse nacional, quer outras no âmbito do mesmo processo, consideradas irregulares pelos especialistas.

Curiosamente, com a extinção da DGPC, o seu responsável máximo foi nomeado pelo ministro, em regime de substituição, em 20 de Novembro de 2023, presidente do conselho directivo do novo organismo Património Cultural, I.P., com efeitos desde 1 de Janeiro de 2024.

Em matéria de informação ao público, caiu um pesado silêncio sobre o assunto, brevemente interrompido pela manifestação de alívio do (agora ex) ministro. Quanto a «culpas», solteiríssimas e boas raparigas.

A verdade, porém, é que este só pode haver-se como «alívio» precário e fugaz.
O quadro volta a estar em Portugal, mas precisa que seja desencadeado o processo com vista à sua classificação para ficar impedido de voltar a ser vendido no estrangeiro.
A sua fruição pelos portugueses depende da vontade do novo proprietário e só enquanto este continuar a entender, a crer nas notícias, que o quadro constitui um activo que pode render tempo de antena na comunicação social, como via para a aquisição do prestígio institucional que deseja para os seus empreendimentos.

Por outro lado, a decisão de expor o quadro no Porto, no MNSR, aparta-o da obra congénere em exposição pública em Lisboa (no MNAA), aumentado a indesejável dispersão dos elementos do conjunto originário.

Esta pequena novela cultural, tão rocambolesca quanto opaca, é infelizmente mais um caso em que tudo fica (aparentemente) bem por parecer que acabou bem, mesmo se a cheirar pouco bem.

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