Considerando que através dos tempos também o ser humano adquire novos hábitos, o próprio ator norte-americano Elliot Gould certa vez defendeu que ninguém pode ser escravo da sua identidade: quando surge uma possibilidade de mudança é preciso mudar.
Contudo, podemos questionar se tais mudanças por força das circunstâncias, não poderão elas próprias condicionar, certos aspetos cruciais ao nível da criação identitária de determinadas sociedades, e se a ausência de uma ida ao cinema, por exemplo, em família, não trás igualmente contrapartidas.
É sabido que o próprio ato de ir ao cinema envolve todo um momento de partilha, de envolvimento e de interesse no seio de quem se dispõe a tal, sobre questões não meramente ligadas ao reforço de laços e entretenimento – que em nada se descortina o seu poder ao nível das emoções e impacto nas pessoas – assim como somando a tal situação, o reforçar de aspetos de cunho social e cultural.
Ora, desde o momento em que se planeia sair de casa, a troca de conhecimentos e interesses antecipadamente elaborados pelos espetadores, a presença física num espaço específico direcionado para o efeito, relevam adicionalmente a importância daquilo a que se vai assistir quanto aos elementos dinamizadores da cultura e do próprio reflexo dessa mesma cultura, como também dos processos de produção de sentido. Além de tornar a experiência do filme numa vivência real, desdobrando para a vida em sociedade e fornecedora de referência para o quotidiano.
Neste sentido, e como se tem observado nos últimos tempos, os cinemas portugueses
começaram o ano com perda de espetadores e receitas, nomeadamente uma perda de 4,5% de audiência face a janeiro de 2023, para um total de 870.558 espetadores, segundo revelou o Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA).
Quanto à receita, os dados estatísticos relativos a janeiro demonstram ainda uma quebra de 9% nas receitas de bilheteiras, totalizando 5,2 milhões de euros quando comparado com
janeiro de 2023.
E se analisarmos os espetadores que preferem o cinema português, a disparidade é ainda mais notável. Ou seja, do total dos 870.558 espetadores que foram ao cinema em janeiro, apenas 17.497 assistiram a filmes lusos – sendo que o filme mais visto foi “A semente do mal”.
Ora, mais do que pensarmos que tal receita não atinge sequer os 100.000 euros, aquilo que se denota é uma ausência de interesse na produção nacional, produção esta que reflete mais uma vez um modo de estar em comunidade, uma cultura e uma vivência societária.
Desta forma, mais do que assistir em casa a um filme, consegue-se maximizar tal impacto
quando um determinado ser humano se dispõe a deslocar fisicamente às próprias salas de
cinema, a todo um meio envolvente. E neste sentido, aí sim o impacto nas pessoas é
considerável, além das emoções e sentimentos, é por este meio que se retrata, demonstra e experiencia diversas situações e problemas que possuem relevância para o mundo.
E mais do que isso, possibilita-nos que a partir de um determinado assunto, realidade ou
problema, as pessoas possam de maneira crítica refletir sobre o tema que é abordado.
Pois, o que está em causa será sempre o possibilitar a transmissão de valores essenciais e vivências que nos permitam transformar uma sociedade na busca da dignidade de todas as pessoas.
Temos sim que contrariar a ideia de Auguste Lumiére quando disse que o cinema não tinha
futuro comercial, pois julgamos mais acertada a visão de Steven Spielberg “Todas as vezes que vou ao cinema, é mágico, e não interessa que filme é que é”. Que possamos continuar a viver essa magia que dá sentido à vida!

Advogado, Psicólogo e Investigador Universitário