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Domingo, Maio 19, 2024

“Quanto mais me bates, mais gosto de ti”

 Enquanto provérbio popular, é um de entre tantos que legitimam o crime de Violência Doméstica e reforçam o seu silenciamento. Revelemos ao leitor o que é a Violência Doméstica.

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Catarina Gomes
Catarina Gomes
Psicóloga/ Mestre em Psicologia da Justiça e da Desviância

A violência doméstica constitui-se como um comportamento violento continuado ou um padrão de controlo coercivo, exercido, direta ou indiretamente, sobre qualquer pessoa que habite no mesmo agregado familiar (por exemplo, cônjuge, companheiro(a), filho(a), pai, mãe, avô, avó), ou que, mesmo não coabitando, seja companheiro, ex-companheiro ou familiar. Esta forma de violência, para além de provocar danos físicos, sexuais, emocionais, psicológicos, isola socialmente a vítima e/ou priva-a de meios económicos.

Só é vítima quem quer ou merece, porque é que não o evita ou não abandona o/a agressor/a?”.

Existem múltiplos fatores que impedem as vítimas de terminar as relações abusivas. Por um lado, muitas  têm medo de denunciar, por ameaças do/a agressor/a de represálias e/ou face ao estigma social associado. Os agressores tendem, também, a utilizar diferentes estratégias de controlo e de poder, com o objetivo de manter a relação abusiva e silenciar, isolar e dominar a vítima, fazendo-a viver em medo permanente. Além disto, frequentemente, as vítimas de violência doméstica desconhecem a dimensão criminal dos atos violentos contra si. E, também, os seus direitos, não se identificando como vítimas e não procurando ajuda. Sentimentos de medo, vergonha e culpa promovem, ainda, que as vítimas mantenham a relação com o agressor.

De facto, um dos maiores desafios na luta contra este crime é o silêncio que o envolve. O reforço de crenças, socialmente difundidas, a explicação da violência doméstica e suas causas, centrada na vítima e nas suas características, reforçam o seu isolamento social e a manutenção deste crime.

Efetivamente, vítimas de violência doméstica decidem terminar a situação violenta ou manter a relação conjugal, com a interrupção da violência, e procurar ajuda a partir do estabelecimento de redes de apoio, do acesso a mais informação, do desenvolvimento de serviços de apoio médico e psicológico, e, ainda, pela escalada de violência ou por um efeito de saturação.

“Mas a Violência Doméstica, nos dias de hoje, é pouco significativa; acontecia no tempo dos nossos pais, certo?” Na verdade, a Violência Doméstica não é, de todo, um fenómeno raro: em 2022, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) apoiou diretamente 16.824 pessoas, num total de 83.322 atendimentos. De acordo com o Conselho da Europa, a violência doméstica é a principal causa de morte e deficiência entre mulheres dos 16 aos 44 anos e mata mais do que o cancro ou os acidentes de automóvel. Na verdade, pelo menos uma em cada três mulheres, em todo o mundo, sofre algum tipo de violência durante a sua vida, segundo dados da Amnistia Internacional. A violência doméstica representa, efetivamente, um terço de toda a violência conhecida. Além destas estatísticas, existem as “cifras negras”, isto é, o número de casos que não foram alvo de denúncia, nem registados. Deste modo, compreende-se como é um fenómeno atual, urgente e, ainda, invisível.

Assim, caro leitor, desafio-o a acompanhar-nos nesta escrita, para que possamos compreender e intervir socialmente sobre a Violência Doméstica e, futuramente, ouçamos “Quanto mais me bates, menos gosto de ti”.

“Entre Paredes de Silêncio” apresenta-se como uma crónica que visará consciencializar sobre a Violência Doméstica, promovendo o acesso dos leitores de “O Cidadão” a informação científica validada e apelando à denúncia e condenação social e penal deste crime. Abordaremos os tipos de violência, as suas vítimas, as dinâmicas subjacentes neste fenómeno, causas e consequências, a sua perpetuação social a partir de mitos e falsas crenças, desigualdades e papéis de género, as conceções de amor e a prevenção e combate deste crime.

A partir do conhecimento científico e, consequentemente, formação e apoio social e técnico, progrediremos para que a violência doméstica seja, cada vez menos, um silêncio entre paredes

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