Na semana das “bodas de Ouro” do 25 de Abril e do 1º de Maio em Portugal, em que todas as comemorações enaltecem as grandes conquistas dos últimos 50 anos, impõe-se um olhar crítico sobre o que é e como se vive hoje em Portugal!
Nasci pouco tempo depois da Revolução de Abril, considero-me uma filha da Liberdade e tudo o que sei sobre a ditadura adveio quer dos testemunhos em 1ª pessoa de quem me antecedeu – avó, tios, pais, amigos mais velhos; quer das várias leituras que fui fazendo.
Mas lembro-me bem de na minha infância ir a Espanha com os meus pais comprar aquilo que, por aqui, ou não havia ou era bem caro, caso dos pequenos eletrodomésticos, as calças de ganga e os ténis de marca, a vulgar louça de pirex e, perto do Natal, os brinquedos que, depois, descobríamos embrulhados!
Também me lembro bem da cerimónia dos Jerónimos em que pela mão de Mário Soares entrámos na CEE e, já professora de filosofia, acompanhei alunos do ensino Secundário de uma escola do interior do País a Lisboa, nas comemorações dos 20 anos do 25 de Abril.
Todas estas memórias e vivências (e muitas outras mais) fizeram de mim uma europeísta e uma curiosa sobre os outros países. Tive a sorte de desde muito cedo começar a viajar e a “descobrir mundo”; por motivos profissionais tive oportunidade de participar em congressos em várias cidades europeias e, ainda hoje, se querem ver-me feliz, deem-me um mapa e oportunidade de partir para outros destinos…faço também questão de levar a minha filha, para lhe “abrir horizontes”, se bem que ela é já de outra geração de portas abertas para todas as descobertas possíveis.
E, assim, como há milénios disse Sócrates sinto-me “uma cidadã do mundo”. Enquadramento feito, para que não haja lugar a pretensiosismos, partilho o meu olhar crítico sobre a nossa situação atual, utilizando como ponto de partida uma viagem-relâmpago bem recente que me possibilitou em seis dias atravessar seis países: de Estocolmo ao Porto.
A Escandinávia era dos destinos que estava na calha, foi desta vez! No âmbito de uma deslocação profissional do meu marido fizemos a nossa maior viagem de automóvel pela Europa: de Estocolmo ao Porto num total de 3731 quilómetros. Não poderia ter sido em melhor altura, o que me possibilitou fazer cerca de 700 quilómetros pela Suécia e estar em três cidades em menos de 48 horas. Os países nórdicos sempre estiveram noutro patamar, e do ponto de vista da educação, sempre me serviram de referência para as minhas aulas, pela sua qualidade. O melhor da Suécia é mesmo o seu povo calmo, tranquilo, educado, culto e irradiando qualidade de vida. A cidade de Estocolmo, tal como se vê na televisão ou nos filmes, é magnífica pela organização e beleza, pelos milhares de pessoas a deslocarem-se em bicicleta e a passearem com vários carrinhos de bebé, pela sua simplicidade e forma genuína como vivem um quotidiano cheio de charme e sem qualquer ostentação. São ricos, é certo, mas não se notam as assimetrias. O meu marido achou-os tristes! Contrario a sua opinião, achei-os serenos e tranquilos! Jantámos próximo da cidade velha, a Gamla Stan, no mercado Ostermalm Saluhall e fizémo-lo às 18:00 como ditam as regras dos escandinavos. Serviço “a la carte”, prato tradicional de salmão para dois com água e pão à descrição e, embora as bebidas alcoólicas sejam caras por ali, pedi uma Heineken (a diferença para uma coca-cola era de cerca de cinquenta cêntimos); no fim, expressos para ambos! Contas feitas pagámos cerca de 450 kr (ao câmbio atual, 1€=11,6Kr) pouco mais de 38 euros!
Deixámos Estocolmo e, sempre em Autoestrada, fizemos cerca de 300 quilómetros numa tranquilidade enorme, quase sem trânsito e o que havia com condução cumpridora de todas as regras. Na Suécia, o máximo a que se pode andar é 120 kms, mas todos andam um pouco abaixo dos limites.
Sem pressa, chegámos já depois das 23:00 (bastante tarde para os suecos) ao apartamento que tínhamos alugado em Grannä (província de Smaland, junto ao lago Vattern) onde a proprietária, num inglês irrepreensível e de forma bem simpática, nos recebeu! O Apartamento com decoração tipicamente nórdica era muito acolhedor, e na cozinha encontrámos chá e café à nossa disposição; na casa de banho, produtos de higiene com muita qualidade. Pagámos 60 euros e ficámos no centro da pequena cidade, mesmo ao lado da igreja, frente ao Lago com uma vista para a ilha de Visingsö, de cortar a respiração pela sua beleza. Esta pequena cidade é muito conhecida pelos seus doces típicos, por isso, aproveitei e fui a uma pequena loja de guloseimas de onde saí com um saco cheio de bengalas, rebuçados e gomas, caixinhas da “Pipi das meias altas “com doces e paguei pouco mais de 8 euros.
Prosseguimos viagem até Malmö, bem no sul da Suécia e daí até Trelleborg para apanharmos o Ferry que nos levaria a Rostock, na Alemanha. Percorremos cerca de 700 quilómetros (Estocolmo-Trelleborg) sem pagar qualquer portagem e o gasóleo estava a 1,58€/L nas estações de serviço da autoestrada.
Afinal, não nos pareceu que a Suécia seja assim tão cara se tivermos em conta que o ordenado médio ronda os 3.500 euros. Aproveito para lembrar que neste país não há ordenado mínimo. Os salários são negociados coletivamente com os sindicatos e, a única referência que encontrei foi que o salário mínimo para imigrantes ou trabalhadores provenientes de fora da União Europeia eram até agora11,400Kr, mas, para breve será de 27,360 Kr. devido a uma proposta aprovada recentemente pelo parlamento sueco. Resta-me dizer que, embora a moeda local seja a coroa sueca, não levantámos nenhuma, pois, em todos os sítios utilizámos os cartões de débito. De facto, os suecos vivem bem e têm todos os motivos para serem felizes.
Chegados à Alemanha, voltámos a abastecer o automóvel desta vez com o diesel a 1,60€/l. E já que tínhamos uma bagageira enorme e estávamos numa das maiores economias europeias, não resisti a fazer compras na “Rossmann”, uma loja de produtos de higiene onde os preços são muito mais baratos do que em Portugal. Só como referência, posso dizer que trouxe um conjunto de shampoo e máscara para cabelo de uma marca bem conhecida pela módica quantia de 5,80 euros (em Portugal não chega sequer para o shampoo). No supermercado ao lado, onde nos abastecemos de águas, refrigerantes, pão, salames e presunto, para irmos “picnicando” ao longo da viagem, também, os preços são mais baixos do que no nosso país. Em Brémen, almoçámos os típicos cachorros num quiosque no centro histórico por 9 euros (para os dois!). Atravessámos toda a Alemanha, uma vez mais sem pagar portagens. Nas autoestradas as idas à casa de banho nas estações de serviço têm um custo de 0,50€/1€, mas podemos parar antes nos parques/zonas de descanso onde as casas de banho são grátis e têm as mesmas condições.
Aproveito para juntar os três países da europa central que atravessámos no mesmo dia: Alemanha, Países Baixos e Bélgica, onde os ordenados mínimos rondam os 2000 euros. Em nenhum deles pagámos portagens, num total de 876 quilómetros! O nosso jantar num simpático restaurante no centro histórico de Maastricht rondou os 55 euros.
Em França tudo mudou! As autoestradas estavam caóticas! Tinha tido início mais um período de férias escolares, o que acontece de seis em seis semanas e, portanto, as famílias estavam todas em deslocação para férias. Sim, que os franceses, tal como a maioria dos países, cuja educação é de influência germânica, fazem férias sempre que as escolas param, contrariamente aos portugueses que, na sua maioria, o fazem uma única vez por ano! Mais uma das diferenças! Ou dito de outro modo, mais uma situação em que se notam as assimetrias económicas entre nós e os países do centro da europa!
Voltando à nossa viagem…Nas estações de serviço francesas havia filas para tudo, todas as mesas nos parques estavam ocupadas com pessoas a fazerem “pic-nics”, e começaram as portagens… tínhamos de atravessar a França em diagonal, e com as paragens que tínhamos selecionado seriam 1050 quilómetros! Como nunca saímos da autoestrada, no final pagámos 70 euros! Em contrapartida, nos mercados os produtos em alguns casos eram bem mais baixos do que em Portugal e os pequenos-almoços e jantares ficaram bem próximos dos nossos preços.
Em Espanha, voltamos às autoestradas gratuitas e ao diesel mais barato – 1,56€/l. E se na raia espanhola, junto à nossa fronteira, vimos vários carros portugueses a abastecerem, o mesmo tinha já acontecido na raia espanhola a norte mas, desta feita com franceses já que por lá o diesel é dos mais caros (1,74€/l.). Porém, mesmo com portagens e diesel bem mais caros do que em Portugal, a taxa de esforço dos franceses é muito menor devido uma vez mais aos ordenados (salário mínimo 1750 euros) . Resta-me dizer que ao longo destes dias ficamos sempre em hotéis de três estrelas, dentro das cidades e sempre a rondar os 60 euros, todos com ótimas condições e com água, café/chá disponível nos quartos e parque de estacionamento grátis.
Em suma, comparando estes seis países: Suécia, Alemanha, Países Baixos, Bélgica, França, Espanha e Portugal temos de concluir que viver em Portugal é caro!
O nosso país só é barato para quem a ele chega em turismo. A nossa qualidade de vida é muito inferior à dos países centrais. É certo que temos um clima magnífico, mais de 300 dias de sol, gente simpática e boa comida. Mas o que nos sobra em segurança e clima mediterrânico, falta-nos em conforto, em férias, em cultura…já para não falar da habitação!
Enfim, somos latinos e felizes à nossa maneira, comemoramos a liberdade e temos razões para o fazer, mas temos ainda um longo caminho político para nos aproximarmos, economicamente, dos europeus de centro.
Colaboradora/Filósofa