De acordo com o sociólogo polaco Zygmunt Bauman, vivemos na era da “modernidade líquida”, por oposição à modernidade sólida. De um modo análogo aos líquidos, nesta modernidade líquida as relações sociais, económicas e de produção caracterizam-se pela fragilidade, pela fugacidade e pela maleabilidade.
Num tal cenário de liquidez das relações humanas, ao que se poderia acrescentar de crescente velocidade com que se vivem os dias e as noites das nossas vidas, torna-se ainda mais premente o exercício de uma cidadania reflexiva e crítica. Por isso, neste contexto de liquidez e de crescente velocidade, urge parar, escutar e pensar a realidade.
Para tal, nada melhor do que uma ida ao cinema, como no tempo de “Cinema Paraíso”, de Giuseppe Tornatore. A proposta que aqui fica é o filme Vera Dake, dirigido por Mike Leigh, cujo lançamento em Portugal ocorreu em 2005. Trata-se de um filme que aborda, numa perspetiva ética e legal, a delicada questão da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG).
Eis uma sinopse do filme:
Londres, 1950. Num apartamento dos subúrbios, Vera Drake, uma senhora de meia-idade, vive com o marido, Stan, e os filhos já crescidos, Sid e Ethel, uma vida pobre mas digna. Vera é dona de casa, Stan é mecânico na oficina do irmão. Sid trabalha como alfaiate e Ethel trabalha numa fábrica de lâmpadas. Vera, no entanto, sem o marido saber, dedica-se também a outra atividade: por influência de uma amiga, vai a casa de raparigas jovens e dedica-se a interromper as suas gravidezes indesejadas.
Vera não cobra dinheiro por estes seus “trabalhos”, pois está convencida de que está a agir para uma obra de bem. A vida quotidiana decorre tranquila, entre notícias boas (Ethel arranja namorado) e ocasiões importantes que reúnem toda a família. Um dia, porém, o inspetor da polícia Webstar bate à porta dos Drake: uma jovem sentira-se mal e está internada no hospital. Referira o nome de Vera e esta é presa. No tribunal, Vera assiste quase incrédula ao processo que lhe é movido por ter provocado abortos ilegais: só agora parece compreender os erros cometidos e desata num longo pranto. O tribunal condena-a a dois anos de prisão.
Esta proposta cinematográfica serve de “experiência mental” para equacionar algumas questões de natureza ética, no contexto da Educação Sexual: dada a ingenuidade e o seu sincero impulso de solidariedade, deve Vera Drake ser considerada inocente? Que relações poderão ser estabelecidas entre o plano da legalidade e o da moralidade / ética? Se Vera Drake acreditava que praticava realmente o bem, por que razão ela nunca revelou coisa alguma aos seus familiares?