As tardes ainda são soalheiras. O sol baixo de outono, vai-se embora mais cedo e os dias dos nossos pais e avós tornam-se mais cinzentos. Vão procurando uma esquina ou uma janela onde o sol lhes aqueça o coração e os dias.
A sociedade não se preparou para acolher a nossa população mais velha, deixando-os à mercê da própria sorte. E que sorte, a de muitos!
Há uns anos, as cidades sofreram alterações, não estruturais e sociais, capazes de responder à massa mais envelhecida, e trouxeram os centros comerciais, locais de concentração de lojas e de pessoas. Mas também um local de abrigo de gente para quem os dias se esvaziam lentamente. São hoje, os centros de dia que acolhem muitas destas pessoas. Por entre luzes artificiais e escadas rolantes, lojas apelativas e cheiro a fritos, elas pousam o corpo cansado até ao finalzinho do dia.
São estes que veem a vida passar por entre lembranças e o frio dos dias – como se agora no corpo só habitasse uma única estação do ano. Vejo-os em pequenos grupos, espalhados pelos vários andares do edifício. Reúnem-se à volta de uma mesa como se fossem jogar à sueca ou ao burro e quiçá ao dominó. Fazem do espaço a sua sala de espera – quase como a do Centro de Saúde, onde a espera é infindável.
Outras, preferem os sofás espalhados pelos corredores acéticos, nem sempre confortáveis, mas valem pela companhia do lado – talvez enganadora. E nós vamos passando sem nos permitirmos a olhar o outro.
Poucos leem jornais ou revistas – não são baratas e os parcos rendimentos não o permitem.
Aqui o consumo é apenas de palavras, trazidas dos telejornais, da noite anterior. Dividem-se opiniões entre aquele e outro político.
Às segundas feiras são mais afoitos nos diálogos, o futebol e os Big Brothers preenchem-lhes a tarde.
Mas, para que estes espaços sejam ainda mais “cativantes”, há os grandes ecrãs ligados na Eurosport. Assistem a todo o tipo de desporto. E lá vem o Ronaldo e o Messi e as comparações. E há os mais patriotas. Mas no grupo há quem não seja da mesma opinião – é de salutar e as vozes entusiasmam-se. Há uns dias vi-os em acesa discussão sobre o Sérgio Conceição. Quase que lhes vi um brilhozinho nos olhos.
É a vida a fazer-se devagarinho com pouco sumo.
Aqui também os desabafos são recorrentes; as parcas reformas e as dificuldades em se aguentarem até ao fim do mês. “o que me vale é a patroa ser poupada, sempre foi.”
“os filhos dão uma ajudinha…”
“e quem não os tem… vivo sozinho com os miseráveis tostões da reforma...“
“tudo a subir e as reformas, nada!”
“Os políticos é que se governam bem!”
E o nosso olhar entristece, deixa-nos a todos desconfortáveis perante o empobrecimento diário dos filhos deste país.
Estes são os novos centros de dia que oferecem abrigo aos mais desabrigados socialmente.
Talvez seja possível apresentar alternativas ao marasmo de tantas tardes ali acanhadas. Todos juntos, delinearmos estratégias mais sociais e humanas talvez estancássemos esta pobreza que cresce.
Bom, apesar de tudo, vejo o lado bom destes espaços. O encontro de memórias, a partilha de saberes, de vida e dificuldades. No fundo, o contato com o outro e consigo próprio. Todos os dias se deixa uma solidão esbatida na mesa do café. Ali se mitigam dores, preocupações e fiapos de sonhos longínquos.
Enquanto a vida lhes vai fugindo por entre os dedos, também lhes adormecem as saudades do que já foram e viveram.
E assim se compõem os dias dos que já nos deram tanto e a quem damos tão pouco.
Professora e Escritora