11.5 C
Porto
16.6 C
Lisboa
13.9 C
Faro
Sábado, Dezembro 7, 2024

O humor inteligente e humanista falta em Portugal – Por José Paulo Santos

As mais lidas

José Paulo Santos
José Paulo Santos
Professor, Poeta e Formador

 

HUmor scaled
Foto de ALAX MATIAS

O humor inteligente e humanista, sem recorrer ao sarcasmo destrutivo ou à malícia, é uma forma de arte que valoriza a empatia e a compreensão ao invés da hostilidade. Ao contrário de um humor que se baseia em piadas às custas de alguém, este tipo de humor procura elevar o riso, tornando-o uma ferramenta de conexão e reflexão. Ele é perspicaz e, ao mesmo tempo, gentil; é capaz de expor as incoerências e absurdos da vida sem ferir, apontando para as nossas falhas de uma forma que nos faça rir e não sentir vergonha.

Este tipo de humor é caracterizado pela sua inteligência, porque não se limita a fazer rir de forma fácil ou superficial. Ele desafia o público a pensar, a encontrar as sutilezas e nuances nas piadas, que muitas vezes surgem de uma observação cuidadosa do comportamento humano, das situações do dia-a-dia, ou mesmo de questões sociais e culturais mais complexas. Por ser inteligente, este humor não depende de estereótipos fáceis, preconceitos ou insultos.

Ele consegue ser incisivo e crítico, mas de forma construtiva, levando as pessoas a refletir sem se sentirem atacadas ou envergonhadas.
A ausência de sarcasmo destrutivo é uma característica essencial neste contexto. O sarcasmo, quando usado com a intenção de humilhar ou rebaixar, pode ser uma forma de agressão disfarçada de piada. Ele cria uma barreira entre o humorista e o alvo, onde a intenção é muitas vezes ferir ou diminuir, mesmo que sob a aparência de uma “brincadeira”.

Um humor inteligente e humanista evita isso, preferindo uma abordagem que seja inclusiva e que faça as pessoas rirem de situações, não de pessoas. Se há sarcasmo, ele é leve, bem-intencionado, e nunca visa humilhar.
Além disso, o humor humanista procura ver o lado positivo e frágil da condição humana. Ele reconhece que todos temos momentos de falha, de confusão, de insegurança, mas em vez de usar esses momentos para atacar, ele encontra uma forma de mostrar que esses aspectos são universais, são o que nos tornam todos humanos. É o tipo de humor que nos permite rir de nós mesmos, porque nos vemos refletidos nele e sentimos que não estamos sozinhos. Rir de uma forma que nos une, que mostra que todos partilhamos certas experiências, ansiedades e alegrias.

Por exemplo, quando um humorista brinca com situações embaraçosas da vida quotidiana — tropeçar na rua, esquecer uma palavra importante, fazer uma figura de parvo num encontro — ele convida o público a rir porque todos já passámos por isso, e o riso torna esses momentos menos pesados. Da mesma forma, o humor que aborda temas sociais com delicadeza e inteligência pode provocar a reflexão e gerar consciência, sem alienar ou ofender. Este tipo de humor é uma forma de arte porque consegue equilibrar a crítica com a compaixão, a ironia com a sensibilidade.

Assim, o humor inteligente e humanista é uma forma de comunicação que promove a empatia, a compreensão e a conexão. Ele faz-nos rir, mas também nos faz pensar e sentir; é uma forma de lidar com as dificuldades da vida de maneira leve e criativa, reconhecendo as imperfeições de todos nós sem jamais as usar como arma contra alguém.

Embora haja outros humoristas que seguem esta linha de humor saudável, destaco dois dos meus preferidos, ambos franceses: Raymond Devos e de Gad Elmaleh. O humor deles pode ser considerado humanista, embora cada um tenha o seu estilo e abordagem distinta.
Raymond Devos (1922-2006) é conhecido pelo seu humor de palavra, jogando de forma magistral com o significado, o som e a lógica das frases. Ele levava o público a rir-se do absurdo da linguagem e da vida, mas sempre de uma forma poética, quase musical. O seu humor não visava ridicularizar ou diminuir ninguém; era mais uma celebração do absurdo, uma forma de nos fazer pensar sobre como as palavras que usamos e as situações que vivemos podem ser ao mesmo tempo complexas e ridículas. O seu estilo era sofisticado e requeria atenção, desafiando a mente do público a acompanhar os seus jogos de linguagem e trocadilhos. Essa inteligência e subtileza fazem dele um humorista humanista, porque ele procurava criar uma ligação através do riso que não fosse às custas de ninguém, mas sim na partilha de um entendimento comum sobre as esquisitices da vida.

Gad Elmaleh (1971), por outro lado, traz um humor que é mais próximo do quotidiano, das situações sociais e culturais que todos podemos reconhecer. Ele muitas vezes brinca com as diferenças culturais, as situações embaraçosas, as pequenas falhas e hábitos que todos temos. Embora o seu estilo seja mais direto do que o de Devos, Gad tem uma forma calorosa e carismática de se conectar com o público. Ele ri das situações em que todos nos podemos ver, muitas vezes rindo também de si mesmo, das suas próprias experiências como alguém que navega entre diferentes culturas e modos de vida. Essa autorreferência e empatia tornam o seu humor acessível e humano, porque ele inclui o público na piada, em vez de excluir ou apontar para alguém como alvo.

Ambos, admiravelmente, cada um à sua maneira, usam o humor para explorar a condição humana, mas sem recorrer ao sarcasmo destrutivo ou à malícia. O humor deles não é apenas para fazer rir, mas para pensar, para criar uma reflexão sobre como vemos o mundo e como nos vemos a nós mesmos. Isso é o que torna o humor deles humanista: eles oferecem um espelho que nos faz rir das nossas próprias falhas, mas sem nos fazer sentir diminuídos, antes pelo contrário, aceitando-as como parte do que nos torna humanos.

O humor saudável é, acima de tudo, generoso, quase ingénuo. Não precisa de colocar ninguém de rastos para se elevar. Pelo contrário, muitas vezes faz rir trazendo à tona aquilo que é comum a todos nós, criando uma sensação de cumplicidade e entendimento. É um humor que não olha para as pessoas como alvos, mas como companheiros numa partilha de momentos engraçados e inesperados da vida.

Infelizmente, em Portugal, o panorama humorístico não possui nenhuma destas figuras elevadas, humanistas que me inspirem o reconhecimento e a admiração profunda, nenhuma mesmo!. Falta-nos uma presença que consiga combinar inteligência e sensibilidade, que faça rir sem precisar de recorrer ao sarcasmo fácil ou à crítica agressiva. Muitas vezes, o humor que domina o cenário é aquele que se apoia no ataque pessoal, na repetição de estereótipos ou em piadas que, mesmo que provoquem riso, deixam um sabor amargo, porque surgem constantemente da desvalorização de alguém, referências a sexo e ao abuso de linguagem imprópria e boçal.

O humor que precisamos é aquele que nos desafie, que eleve a conversa e que nos faça refletir. Um humor que nos ajude a ver a beleza no caos e o absurdo nas regras que seguimos sem pensar. Gostaria de ver mais humoristas que explorassem as contradições da nossa sociedade e da nossa própria existência, mas com a mesma elegância de quem brinca com um amigo íntimo, sem nunca perder o respeito.

É como se faltasse uma voz que se destacasse pelo seu olhar mais profundo e poético, que usasse o riso para curar, para aproximar, e não para criar divisões. Acredito que há potencial e talento no país para este tipo de humor mais sofisticado e humanista, mas falta, talvez, a coragem de fugir ao que é fácil e imediato, ao que já sabemos que funciona, ao popularucho, ao que traz retorno financeiro imediato, mas que acaba por limitar o poder do riso como uma verdadeira força de transformação e entendimento.

O humor humano é um ato de inteligência emocional, porque sabe medir o impacto das suas palavras, sabe encontrar o tom certo para provocar um sorriso sem deixar uma ferida. Ele é inclusivo e respeitador, consegue tocar em temas delicados sem ser agressivo, faz-nos pensar sem nos agredir, e, no final, deixa sempre um rasto de alegria em vez de mágoa.

- Publicidade -spot_img

Mais artigos

- Publicidade -spot_img

Artigos mais recentes

- Publicidade -spot_img