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Sábado, Dezembro 7, 2024

O gato filósofo – Por José Paulo Santos

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José Paulo Santos
José Paulo Santos
Professor, Poeta e Formador
Paul Klee Cat and Bird MeisterDrucke 743564
Direitos Reservados

Aviso: A leitura desta crónica pode causar dependência em gatos e em humanos que se identifiquem com a filosofia felina.

Sou um servo da causa felina. Sim, um súbdito leal a Sua Majestade. E para quem duvida da realeza dos felinos, basta observar a elegância com que se espreguiçam ao sol, a indiferença com que nos ignoram e a soberania da exigência das suas refeições.

Os gatos são filósofos natos. Enquanto nós, humanos, nos perdemos em questões banais e crises existenciais, eles simplesmente se dedicam à arte de viver. Como dizia o sábio Confúcio, “o que o gato sabe, o homem deveria aprender: a viver no momento presente.”

A literatura está repleta de odes aos felinos. Baudelaire, com o seu olhar perspicaz, já nos dizia que o gato “guarda os segredos de um mundo invisível“. E T.S. Eliot, em “O Gato Ruivo”, celebrava a independência e a individualidade felina.

Conquistar a amizade de um gato é tarefa difícil. É um animal filosófico, metódico, tranquilo, seguro dos seus hábitos, amigo da ordem e da limpeza e que não dedica as suas afeições imponderadamente: ele quer ser teu amigo, se tu fizeres por merecer, mas não o seu escravo.

Théophile Gautier, com a sua perspicácia habitual, capturou a essência da natureza felina em poucas palavras. O gato, para o poeta, romancista, pintor e crítico de arte francês que nasceu em 1811 e faleceu em 1872, não é apenas um animal de estimação, mas um ser filosófico, com uma complexidade que rivaliza com a nossa. Ao observar esses felinos, tão independentes e ao mesmo tempo tão apegados, somos convidados a uma reflexão profunda sobre a condição humana, como bem enaltece Manuel António Pina, neste poema:

Há um deus único e secreto

em cada gato inconcreto

governando um mundo efémero

onde estamos de passagem


Um deus que nos hospeda

nos seus vastos aposentos

de nervos, ausências, pressentimentos,

e de longe nos observa


Somos intrusos, bárbaros amigáveis,

e compassivo o deus

permite que o sirvamos

e a ilusão de que o tocamos.

A figura do gato, presente em diversas culturas e mitologias, sempre despertou fascínio e admiração. Na poesia, ele é frequentemente associado à inspiração, à elegância e ao mistério. Mas além de um símbolo estético, o gato pode ser visto como um espelho que reflete os nossos próprios anseios e angústias.

Gautier descreve o gato como um “animal filosófico“, e essa afirmação convida-nos a uma análise mais profunda. A independência e a individualidade do felino despertam as ideias de liberdade e autonomia defendidas por filósofos como Nietzsche e Sartre. O gato não se submete facilmente, preservando a sua liberdade mesmo nos momentos de maior afeto.

Ao contrário do homem, que frequentemente se vê preso a uma rotina frenética e a uma busca incessante por novidades, o gato encontra prazer nos momentos simples da vida. Já reparaste bem nele?

Ganhar a amizade de um gato é difícil. É um animal filosófico…”. Ao aprofundarmos essa reflexão, podemos descobrir que a sabedoria está mais perto do que imaginamos, talvez a ronronar no nosso colo.

Mas não só os clássicos se renderam aos encantos dos gatos. A contemporaneidade também tem os seus devotos felinos. Murakami, por exemplo, em “Norwegian Wood”, mostra-nos que a solidão nem sempre é um mal, e que um gato pode ser o companheiro perfeito para aqueles que buscam a introspeção.

Os gatos são críticos sociais audazes. Enquanto nós nos preocupamos com as últimas notícias e com os problemas do mundo, com os disparates inúteis das redes sociais, eles dedicam-se a observar a humanidade com um olhar irónico e despretensioso. Como dizia Oscar Wilde, “o mundo está dividido em duas categorias: os que acariciam os gatos e os que são dignos de serem acariciados pelos gatos.”

É impossível não me referir a Istambul, quando penso nos gatos, esses Guardiões do Mundo Islâmico.

Istambul, com a sua rica história e cultura milenares, é uma cidade fascinante que parece ter sido feita para os gatos. A presença desses felinos nas ruas e nos lares da cidade é marcante. Eles tornaram-se parte integrante da vida cotidiana dos turcos.

A coexistência harmoniosa entre humanos e gatos em Istambul pode ser vista como um exemplo a ser seguido. Numa época em que a relação entre as pessoas e os animais se tornou cada vez mais complexa, a cidade turca mostra-nos que é possível construir um mundo em que ambas as espécies possam conviver em paz e harmonia.

A independência dos gatos é um manifesto contra o consumismo desenfreado e a busca incessante por aprovação. Eles ensinam-nos que a felicidade não se encontra nas coisas materiais, mas nas pequenas alegrias do dia a dia. Como dizia Thoreau, “aquele que vive de acordo com a natureza nunca estará pobre.”

Num mundo cada vez mais caótico e frenético, a filosofia felina oferece-nos um refúgio. Ao observarmos os nossos gatos, aprendemos a importância do autocuidado, da paciência e da aceitação. Como dizia Buda, “tudo o que somos é o resultado do que pensamos. Se pensarmos positivamente, a felicidade nos seguirá como uma sombra.”

Sky Rodrigo Serrao
Este é o Sky, gato do músico e compositor Rodrigo Serrão. Direitos Reservados

John Gray, em ‘Filosofia Felina’, lembra-nos que “os gatos não se definem por projetos”. Essa capacidade de viver o presente, sem se preocupar com o futuro ou com o passado, é algo que contrasta com a nossa sociedade contemporânea, tão marcada pela ansiedade e pela busca incessante por objetivos. Como afirma o filósofo francês, Michel Onfray, em ‘Contra a Natureza’, “a sociedade de consumo promete-nos a felicidade eterna, mas entrega-nos apenas um vazio existencial’. O gato, ao contrário, encontra a felicidade nas pequenas coisas, como um raio de sol ou uma boa soneca. A sua capacidade de estar plenamente no momento presente é um lembrete de que a felicidade não se encontra nos bens materiais, mas na experiência direta da vida.”

Essa autonomia dos gatos é frequentemente admirada e invejada pelos humanos. Eles não precisam de aplausos nem de reconhecimento para se sentirem realizados. Vivem de acordo com seus próprios ritmos e não se deixam moldar pelas expetativas alheias. Será que poderíamos aprender algo com essa atitude? Talvez a chave para uma vida mais feliz esteja em cultivar um pouco mais daquela independência felina, em libertar-nos das amarras da sociedade e em seguir os nossos próprios instintos. Como dizia Thoreau, “aquele que vive de acordo com a natureza nunca estará pobre”.

Se ainda não tens um gato, estás a perder uma das maiores alegrias da vida. Adota um gato e deixa que ele transforme a tua vida numa obra de arte. Afinal, como dizia o poeta persa Rumi, “você pensa que está a seguir um caminho, mas o caminho está a segui-lo a si.”

E no caso dos gatos, o caminho é sempre para cima, em direção à felicidade felina.

MIAU!

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