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Terça-feira, Janeiro 21, 2025

O fio da memória

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Durante uma viagem num dos pachorrentos eléctricos amarelos que em 1977 ainda havia em Coimbra, algo despertou, bruscamente, a minha atenção para a conversa entre as passageiras sentadas à minha frente, de costas voltadas. Sem precisar de apurar o ouvido, percebi que uma das mulheres explicava à outra como procedia habitualmente, na creche, onde trabalhava, para calar o choro persistente das crianças.

Segundo ela, a administração de tranquilizantes era meio garantido para pôr termo às birras e assegurar um calmo ambiente de trabalho.

Muito jovem e com um filho de poucos meses, fiquei perplexo e indignado com a revelação de tais factos, em conversa tão displicente, por parte de uma profissional, encarregada de cuidar de crianças, cujo rosto não consegui ver.

Na altura, pese embora a desproporção da gravidade dos factos, veio à ideia Luísa de Jesus, jovem mulher da Coimbra, da segunda metade do século XVIII, capaz de matar e desmembrar 34 crianças que, na mira de lucro fácil, tinha ido buscar à Roda dos Expostos, a cargo da Misericórdia, supostamente para lhes servir de ama, mas apenas para receber adiantada a respectiva retribuição. Os seus crimes valeram-lhe a condenação e execução em suplício e morte atrozes. O caso foi motivo de grande alarme e o jornal O Conimbricense referiu-se-lhe várias vezes naquele século e também no seguinte.

Agora, tudo isto ocorreu de novo à lembrança com a notícia da condenação em prisão perpétua de Lucy Letby, jovem enfermeira britânica, por ter provocado a morte a sete bebés e por ter tentado matar outros seis, com injecções de insulina ou ar, no hospital onde trabalhava. Arrepia saber, além disso, que algumas dessas mortes poderiam ter sido evitadas se tivesse sido dada a necessária atenção aos sinais suspeitos que a conduta de Lucy foi deixando, no rasto dos seus turnos.

Nas últimas cinco décadas foi grande a evolução no domínio dos direitos das crianças e na sensibilidade e atenção social para com a concretização efectiva desses direitos e o cumprimento dos deveres correspondentes. Consequentemente, foram muito aperfeiçoados os normativos reguladores das actividades e do exercício das profissões, tendo como destinatários as crianças.


Mas um caso como o de Lucy Letby serve para alertar que não há, apesar de tudo, improváveis. E que, por isso, a vigilância e o escrutínio sociais quanto a essas actividades e exercício dessas profissões é indispensável, em rigor, sistematicidade e oportunidade.

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