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Quinta-feira, Março 27, 2025

Nume: “Os gajos que cantam o Luís (de Camões)”

Apresentamos o sexteto NUME, que levam a música e poesia de Gaia para outras paragens...

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Joaquim Marques
Joaquim Marques
Técnico de Turismo

O Cidadão (OC): De onde é a banda?? Como surgiu a banda?… Como se conheceram…

Augusto Pires (AP): A banda tem as suas raízes e continua em Gaia e surge para colaborar, depois de muita insistência por parte da organização, no espetáculo das comemorações dos 50 anos da Escola Secundária de Almeida Garrett, antigo Liceu de Gaia. Depois de muita hesitação, juntei amigos de sempre e do tempo de estudantes nesta escola (anos 70/80) e onde as nossas primeiras experiências musicais começaram… no antigo polivalente, durante os intervalos das aulas e que hoje já não existe. Fazia todo o sentido.

O grupo foi constituído por cinco antigos alunos do Liceu: eu, Augusto Pires (designer, músico e compositor…), Victor Paulos (advogado, músico e compositor), Miguel Cerqueira (operador de som, músico – Trabalhadores do Comercio, compositor e produtor musical), Quico Serrano (músico, produtor musical e compositor, …) e Carlos Azevedo (músico, compositor, professor de Análise – criou a primeira licenciatura em jazz em Portugal, Orquestra de Jaz de Matosinhos…).

Já não tocávamos juntos há muito tempo, por isso, a expectativa era grande para ver como correria a nossa participação no evento que teve lugar no pavilhão municipal, também em Gaia. Correu para além das expectativas!

Após esse concerto, três de nós (eu, o Miguel e o Victor), vendo que a fórmula que tínhamos criado tinha “pernas para andar”, seguimos o impulso e, recuperando a poesia que aprendemos de forma institucional e obrigatória, resolvemos continuar a dar-lhe um sentido novo (iniciado anos atrás por mim com a banda Trovas Novas, nos finais dos anos 80), mais descontraído e divertido. Incorporamos a sensibilidade artística, “então” pouco aprendida no ensino institucional. Demos a volta e resolvemos vestir esses textos de música e novos sons, que os ilustrassem através de um processo criativo e lúdico com arte, alma e sentimento.

O projeto foi crescendo até termos material para um concerto próprio e juntamos mais uma violinista (Rita Lima). E qual seria o local apropriado para o fazermos? Teria de ser onde nos conhecemos – a ESAG logicamente. Casa cheia!

Foi o primeiro embate com um público que não sabíamos como iria reagir às características muito específicas que apresentamos em palco dando voz a Luís de Camões, Camilo Pessanha, Florbela Espanca, Alexandre O’Neill, António Aleixo, Fernando Pessoa, José Gomes Ferreira, Francisco Rodrigues Lobo, João Roiz de Castelo-Branco… A reação foi muito boa e a partir desse momento ficamos com muito ânimo para trabalharmos mais e os pedidos para espetáculo foram surgindo naturalmente.

O último concerto da banda foi no Auditório Municipal de Gaia, em junho passado, com sala esgotada em muito pouco tempo.  Estiveram em palco 6 músicos:  Miguel Cerqueira (baixo), Victor Paulos (guitarra e voz), Rita Lima (violino e voz), Luís Arrigo (percussões), Carlos Azevedo (piano) e eu, obviamente (Guitarras e voz). Contamos ainda com uma convidada muito especial a atriz Aurora Gaia.

NUME Teatro Sa e Costa© Victor Ze Miguel
Os NUME, Direitos Reservados

OC: Quais são os vossos percursos musicais e de quem vos acompanha?

AP: Desde que me lembro que a música tem muita importância na minha vida. Muito novo recebi a minha primeira guitarra acústica e inicio a aprendizagem deste instrumento com o professor Manuel Barros. No seguimento dessa aprendizagem ingresso em algumas bandas de rock e, na altura, do novíssimo estilo punk, entre elas a banda Rocácá. Mais tarde, estudei canto com o maestro Mário Mateus e, em simultâneo, dei aulas de educação musical. Partilhei experiências com os King Fisher Band e os irmãos Barreiros nos JáFumega. Nos anos 80 criei a banda Trovas Novas que atuou a solo e partilhei o palco com vários músicos tais como: Vitorino, Fausto Bordalo, António Brojo e António Portugal, Lena D’Água, etc.

O Miguel Cerqueira começa a partir de 1975 a tocar em bandas de covers com maior relevo nos  Sincopa (1975), Teclado (1976), Ex-pressão (1978) e nos Tráfego (1979). Mas é já em 1980 que integra a formação de uma das bandas mais conhecidas no panorama musical português, os Trabalhadores do Comércio, onde permanece até aos dias de hoje. Pelo meio colabora com os Arte&Ofício (Tour 82 e Casa da Música em 2015). Participa ainda nos Roxigénio (1984/1986), Pippermint Twist (1985/2017).

Em 1984 faz o curso de contrabaixo no Hot Club de Jazz de Lisboa.

Ao longo do tempo foi tendo participações musicais importantes com vários músicos como Sérgio Castro, Álvaro Azevedo, Jorge Filipe Santos… Tocou com Quico Serrano (no Liceu), André Sarbib, António Pinho Vargas, José Nogueira, Fernando Nascimento, António Garcez, Filipe Mendes, João L. Médicis e Pony J. Machado entre outros.

É operador de som e produtor discográfico desde 1983.

Quanto ao Victor Paulos inicia a sua formação musical aos 7 anos de idade com o acordeão. Aprende a tocar guitarra como autodidata no então Liceu Nacional de Vila Nova de Gaia, onde me conhece e ao Miguel Cerqueira.

A sua atividade como músico começa na faculdade de Direito. Fez parte das bandas FALO QUENTE – 1º lugar nas letras do 1º festival lusogalaico do Porto, organizado pelo Bar Luís Armaestrondo (guitarra e acordeão), U-NU (guitarra e acordeão), COSI FAN TUTTI (guitarra solo), SEILASEÉ (guitarra solo).

O Carlos Azevedo estudou piano na infância e ingressou no Conservatório de Música do Porto em 1982 onde frequentou os Cursos Superiores de Piano e Composição. Foi o primeiro aluno inscrito na Escola Superior de Música do Porto (atual ESMAE), em 1986, e aí concluiu o curso de Composição. Prosseguiu depois para o Mestrado em Composição na Universidade de Sheffield (1996), sob a orientação de George Nicholson.

O interesse pelo jazz surge nos anos do Conservatório, acabando por inaugurar a Escola de Jazz do Porto enquanto professor de piano, em meados dos anos 80. Em 2001 criou a primeira Licenciatura em Jazz do país, na ESMAE.

Partilhou com Pedro Guedes, desde 1999, a Direção Musical da Orquestra Jazz de Matosinhos.

A Rita Lima é a mais nova deste grupo de músicos e, desde que se lembra, a música esteve sempre presente na sua vida.

Ingressa no Conservatório de Música de Vila Nova de Gaia em 2000 onde permanece 8 anos. Em 2012 entra no Conservatório do Porto onde fica até 2015, passando em seguida para a Academia Costa Cabral. Em 2017 licencia-se em Educação Musical.

Toca (desde 2010) em bandas de música portuguesa.

No que diz respeito ao Luís Arrigo estudou no Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos” em Tatuí/SP e I.A. UNESP – São Paulo – Brasil (1996/2000) Em 2004 ingressa na ESMAE – Escola Superior de Música e das Artes do Espetáculo do Porto. É mestre em ensino de música pela Universidade de Aveiro. Com várias participações em grupos musicais e passagem pela Casa da Música no Porto é professor na Academia de Música de Vilar do Paraíso em V. N. Gaia.

OC: Como escolheram o vosso nome?

AP: Quando nos juntamos pela primeira vez para o concerto comemorativo tivemos de arranjar um nome rapidamente, sem qualquer objetivo se não para aquele momento e usamos “Os Banda”, uma brincadeira (risos)… Mas quando pensamos a sério na questão e na continuidade do projeto a dificuldade de atribuir um significado forte ao grupo tornou-se difícil. Teria de ser algo curto, sonoro e com significado…  Após várias tentativas optamos por NUME. Nume é o nome de uma divindade pagã protetora que favorece e ilumina o homem numa atividade. Ora, o que nós pretendíamos é que a inspiração musical não nos faltasse para ilustrar os poemas que usamos nas nossas músicas. Ficou resolvido com apenas quatro letras.

OC: Se tivessem de escolher um “rótulo” definindo o vosso estilo musical, qual seria? Ou entendem não será possível?

AP: Essa é uma questão que nos colocam muitas vezes. Cada um de nós tem vertentes musicais diferentes, rock, rock sinfónico, clássico, tradicional… Eu, por exemplo, passei em tempos pelo punk até chegar aos sons puros. Nunca pensamos em definir ou integrar uma corrente, o que nos dá muita liberdade e que nos leva a comunicar consoante os sentimentos que absorvemos das poesias que escolhemos para musicar. Fizemos essa pergunta uma vez ao maestro Carlos Azevedo, estudioso destas coisas, e depois de alguns momentos ele respondeu: Nume! Uma jornalista uma vez terminou o seu texto sobre os Nume dizendo: “Os Nume são como a Coca-Cola, primeiro estranha-se e depois entranha-se”.

OC: Onde e como divulgam o vosso trabalho? (plataformas diversas, redes sociais, concertos ao vivo…)

AP: Para além dos concertos “grandes”, digamos assim, temos também o projeto “Os Nume vão à Escola” que é nem mais nem menos do que levar às escolas secundárias o nosso concerto para as comunidades escolares. Os programas escolares integram uma parte dos poetas que cantamos, por isso, gostávamos que os mais jovens vissem que os poetas que estudam podem ser entendidos de uma forma menos rígida e mais atrativa. Sobre este assunto temos um episódio muito curioso… Um dia, no final de um concerto, ouvimos um miúdo dizer para outro: “Olha os gajos que cantam o Luís!”. Foi fantástico tratarem Luís de Camões pelo nome próprio.

Também, algo que nos satisfaz muito é que o nosso público não tem barreiras etárias. Temos miúdos que trazem os pais e pais que trazem os filhos, o que é muito bom. Por isso é que gostamos mais de divulgar o nosso trabalho através dos concertos. A comunicação é mais direta e o som ao vivo é outra coisa, o que não quer dizer que também não comuniquemos pelas vias normais usadas hoje em dia (Facebook, Instagram, Youtube…).

OC: Uma “provocação”: se tivessem de escolher apenas uma música que vos definisse e apresentasse, qual a música que escolheriam?

AP: Essa pergunta é difícil… talvez a “Coifa de Beirame” cujo poema é de Luís de Camões e aquela com que as pessoas tiveram o primeiro embate com o nosso estilo. Quinhentos anos passados do seu nascimento, celebrados este ano de 2024, a sua poesia ainda tem uma atualidade espantosa. Mas existem outras com que o público se identifica mais devido às suas diferencias idades e expectativas na vida.

OC: Quais os planos para o futuro?

AP: É lógico que o que gostaríamos mesmo era de continuar a levar a nossa música a outras paragens. A pandemia também nos causou mossa neste campo. Tínhamos muitos contactos para sair de Portugal e levar os nossos poetas connosco, mas tudo foi por água abaixo. Agora é começar novamente, quase da estaca zero, porque há outros grupos que também foram colhidos e é necessário agendar tudo novamente o que demora o seu tempo.

Existe ainda uma grande barreira nos meios empresariais em arriscar em projetos diferentes e não comerciais, o que afeta a nossa presença em muitos lados. Voltando ao nosso projeto “Os Nume vão à Escola” gostaríamos imenso que as autarquias ajudassem as escolas a receber este nosso projeto levando os seus alunos a ver a língua portuguesa de outra forma, mais próxima deles. É muito fácil… é só enviar um e.mail (numemusica@gmail.com) e propor.

Estamos neste momento a trabalhar no nosso álbum que gostaríamos que fosse uma peça única e que nos desse gozo ouvir depois de pronto.

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