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Segunda-feira, Setembro 9, 2024

Museus: a origem e a natureza (Parte 2) – Por Hugo Aluai Sampaio

Uma das principais funções dos museus passa, precisamente, por receber e acomodar, num espaço físico próprio e respeitoso, tudo aquilo que, enquanto vestígio do passado, diz respeito a todos nós (já que o passado e o seu património são pertença de todos).

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Hugo Aluai Sampaio
Hugo Aluai Sampaio
Arqueólogo, Professor Universitário

Acontece que, não raras vezes, se levantam vozes críticas em torno daquilo que é, para alguns, o reforço de uma histórica centralidade. Essa centralidade é, no caso português, encabeçada pela atual capital, Lisboa, seguida de outras cidades não menos importantes que tornam difícil competir pela manutenção de certos elementos culturais junto das suas origens.

Dois exemplos práticos: o Museu Regional de Arqueologia D. Diogo de Sousa, em Braga, contempla coleções de materiais arqueológicos provenientes de diferentes pontos do distrito. A sua origem pode ter meia dúzia de metros, como os vestígios oriundos do teatro e termas romanas do Alto da Cividade, como atingir quase a centena de quilómetros de distância, considerando alguns municípios limítrofes. Este exercício torna-se ainda mais perverso se quisermos considerar, por exemplo, o Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa. No MNA, os vestígios podem ser tão próximos, enquanto parte da cidade, como deter a origem mais recôndita nacional. Mas não nos deixemos enganar: são igualmente ferramentas que funcionam, de forma legalmente determinada, como depósitos de materiais arqueológicos, cumprindo a sua função enquanto serviço público. Para quem possa não saber, os materiais arqueológicos que resultam de trabalhos de escavação são propriedade pública, devendo ser depositados junto do organismo mais próximo à sua origem que assegure a sua proteção. Isto está legalmente contemplado e faz todo o sentido, de outra forma, teríamos coleções arbitrariamente tornadas privadas (não que elas não existam!). Mais uma vez, repita-se, o passado e o seu património são pertença de todos.

Tem havido cada vez mais movimentos que defendem, precisamente, o retorno às origens daquilo que é seu “por direito”. Durante décadas, as principais potências europeias e outros países ocidentais habituaram-nos à desmesurada profanação de relíquias alheias, transladando para os seus museus vestígios, em alguns casos, únicos, de outras culturas. Hoje podemos apreciar, em diferentes pontos do planeta (leia-se, museus), património grego, egípcio, assírio ou sumério, cuja componente histórica, inquestionável, fora outrora dilacerada e irremediavelmente separada da sua fonte original pela curiosidade e avidez de consumo do exótico por parte de potências colonizadoras e, riam-se, colonizadas. Sim, curiosamente, nem estas últimas conseguem – ou não querem conseguir – atingir o real impacto que daí advém. Triste, considerando que, elas próprias, em tempos, foram igualmente punidas por políticas colonizadoras que, muitas vezes e pouco respeitosamente, trataram o seu espólio cultural como um bem alienável.

Alguns dos dilemas que daqui advêm podem ser traduzidos em questões: afinal, o que é que é “nosso”, por “direito”, e o que é que não é? O que é que nos “pertence”, ou não, verdadeiramente? Até que ponto (e com que direito) podemos rapinar, para usufruto próprio, privando outros, o património cultural alheio? Porque não posso eu apreciar, junto da minha identidade local, aquilo que mais me identifica? Porque é que as vontades políticas centralizadoras, extensíveis à “mostra cultural”, tendem a acentuar (ainda mais) a diferença entre a periferia e as grandes urbes?

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