Com uma extensão vocal de três oitavas e uma capacidade de improvisar (Scat) fora do comum – muito semelhante a um instrumento de sopro -, o seu fraseado e entoação, servem ainda de inspiração a muitas cantoras de jazz da actualidade. As colaborações mais famosas de Ella Fitzgerald foram com o trompetista Louis Armstrong (Ella and Louis), o guitarrista Joe Pass (Take Love Easy, Fitzgerald and Pass Again, Speak Love e Easy Living) e os compositores e chefes de orquestra Count Basie (One O’Clock Jump, Ella and Basie) e Duke Ellington (Great American Songbook, Ella and Duke at the Cote D’Azur, Ella at Duke’s Place). Embora nunca tenha gravado com Frank Sinatra, estiveram muitas vezes juntos em palco e em programas de televisão (A Man and His Music + Ella + Jobim).
Ella venceu 14 Grammys, o “Kennedy Center for the Performing Arts”, “Society of Singers Lifetime”, “George and Ira Gershwin Award” e a “Medalha Presidencial da Liberdade”.
Ella Fitzgerald apoiou de maneira discreta porém intensa diversas organizações de caridade e sem fins lucrativos, incluindo a “American Heart Association” e o “United Negro College Fund”. Em 1993 fundou a “Ella Fitzgerald Charitable Foundation”.
Conviveu com o pai apenas até aos três anos, altura em que fugiu com uma amante. A mãe mudou-se para Nova Iorque e lá conheceu o imigrante português Joseph da Silva, daí resultou a “meia-irmã” Frances da Silva, infelizmente perderam a mãe quando Ella tinha apenas quinze anos… O padastro infringia humilhações, espancamentos e estrupo, o que a levou a fugir para casa da tia que infelizmente deu-lhe o destino de um colégio interno, de onde só poderia sair quando atingisse a idade adulta. Fugiu, viveu na rua (pedindo esmolas), depois de ter trabalhado num bordel, voltou a um reformatório, de onde voltou a fugir…
Os primeiros dinheiros, foram ganhos a fazer sapateado na rua e em lojas comerciais, aproveitou para ter aulas de piano, porém uma noite, a polícia internou-a no Asilo de Orfãos de Cor em Riverdale (Bronx NY).
A sua antiga professora de piano incentivou-a a inscrever-se num concurso de jovens artistas amadores no Teatro Apollo (Harlem). Venceu o concurso e foi conquistando um público cada vez maior. Embora o seu grande sonho fosse ser bailarina, ficou intimidada pela dupla “Boswell Sisters” e resolveu seguir a sua grande referência vocal, a cantora Connee Boswell.
Nos anos 30, Ella começou a cantar regularmente com a Orquestra de Chick Webb no “Savoy Ballroom” (Harlem). Gravou diversos sucessos com a banda, incluindo “Love and Kisses” e “If You Can’t Sing It You’ll Have to Swing It.” Foi, no entanto, sua versão de 1938 da canção infantil “A-Tisket, A-Tasket”, canção que compôs, que lhe trouxe uma maior atenção do público.
Chick Webb morreu em Junho de 1939, e a banda passou a intitular-se “Ella Fitzgerald and her Famous Orchestra”, com Ella como líder. Fez cento e cinquenta gravações durante esse período, com a orquestra.
Os anos 40 são os anos de ouro da Decca (editora musical) e gravou com os artistas Ink Spots, Louis Jordan e os Delta Rhythm Boys. Apareceu nos célebres concertos “Jazz at the Philharmonic”, pela mão do seu empresário Norman Granz.
Com o “declínio” do swing e das grandes big bands e com o aparecimento do “be-bop”, Ella tentava reproduzir com a voz as complicadas improvisações que ouvia nos instrumentos de sopro, criando esse estilo (repartido com Louis Armstrong) o Scat! As suas interpretações de “Flying Home” e “Oh, Lady be Good”, foram um novo marco na utilização da voz. O New York Times escreveu: “uma das mais influentes gravações vocais de jazz da década…”
Fitzgerald descreveu posteriormente o período como tendo sido crucial, estrategicamente, segundo ela: “eu tinha chegado a um ponto onde apenas cantava be-bop. Eu achava que o be-bop era tudo, e que o que eu precisava fazer era cantar bop. Mas finalmente chegou um ponto em que eu não tive mais oportunidade para cantar. Percebi que havia mais, na música, do que o bop. Norman… achou que eu deveria fazer outras coisas, e então produziu o “Songbook de Cole Porter” comigo. Foi uma guinada na minha vida”. Esta mudança dá-se quando o seu empresário Granz, cria a editora Verve.
“Ella Fitzgerald Sings the Cole Porter Songbook”, lançado em 1956, foi o primeiro de oito conjuntos de “songbooks” de diversos álbuns lançados pela Verve, em intervalos irregulares, de 1956 a 1964. Os compositores e letistas abordados em cada um dos conjuntos, no geral, representam a maior parte do cânone cultural americano conhecido como “Great American Song Book”. As escolhas de canções interpretadas por Fitzgerald variaram dos padrões até raridades, e representaram uma tentativa de Ella aceder, a um público não-jazzístico.
Ella executou uma transação cultural tão extraordinária, quanto a integração feita por Elvis, na mesma época, dos brancos com o soul afro-americano. Uma mulher negra, popularizando canções urbanas compostas por judeus (emigrantes) para um público nacional, branco e cristão.
Os anos 70 apresentou os discos dos grandes compositores – Porter e Gershim (“Ella Loves Cole” e “Nice Work If You Can Get It”). A gravadora Pablo Records, lançou “Ella Abraça Jobim”, onde intrepreta os maiores sucessos de Tom Jobim.
O sucesso surpreendente do álbum “Jazz at Santa Monica Civic 72”, de 1972, fez com que Granz criasse a Pablo Records, sua primeira editora desde a venda da Verve. Fitzgerald gravou cerca de vinte álbuns para esta editora. “Ella in London”, gravado ao vivo em 1974 com o pianista Tommy Flanagan, Joe Pass na guitarra, Keter Betts no contrabaixo e Bobby Durham na bateria, é considerado um dos seus melhores discos.
No cinema, o seu papel de maior destaque é quando interpreta a cantora Maggie Jackson, no filme de jazz de Jack Webb, “Pete Kelly Blues”, rodado em 1955. O filme também contou com a atriz Janet Leigh e a cantora Peggy Lee. Tinha participado no filme “Ride o Cowboy”, dos humoristas Abbott e Costello, de 1942.
Assim como outra cantora de jazz, Lena Horne, ser negra impediu a Fitzgerald maior sucesso de bilheteria. Depois de “Pete Kelly’s Blues”, fez aparições esporádicas em filmes como “St. Louis Blues” (1958) e “Let No Man Write My Epitaph“ (1960).
Foi convidada em programas de televisão, cantando no “Frank Sinatra Show”, juntamente com Nat King Cole, Dean Martin, Mel Tormé e muitos outros. Talvez sua performance mais atípica e intrigante tenha sido a da canção ‘Three Little Maids’, da opereta cómica “The Mikado”, de Gilbert e Sullivan, ao lado da cantora lírica Joan Sutherland e de Dinah Shore.
Ella Fitzgerald apareceu em diversos anúncios publicitários (televisão), dos quais o mais célebre foi para a empresa Memorex, no qual ela cantava uma nota que quebrava um vidro enquanto era registrado num gravador Memorex; a fita então era executada e a gravação também quebrava o vidro, com a pergunta: “é ao vivo, ou é Memorex” (“Is it live, or is it Memorex?”). Também apareceu em diversos comerciais para a rede de fast-food Kentucky Fried Chicken, cantando e fazendo “scat” em cima do slogan, “We do chicken right!”
Sua última campanha publicitária foi para a American Express, na qual ela foi fotografada por Annie Leibovitz.
Passou os últimos dias da sua vida sozinha, embora tivesse tido três casamentos: Benny Kornegay (traficante de drogas), Ray Brown (contrabaixista), Einar Larsen (ladrão).
Os diabetes tiraram-lhe primeiro a visão e mais tarde as duas pernas… Fitzgerald sofreu muito quando teve suas duas pernas amputadas, em 1993, o que a obrigou a deixar a carreira. Ela passou a ser cuidada por enfermeiras e sempre recebeu a visita de sua meia-irmã e de seu sobrinho, que a chamava de mãe, mesmo sabendo que ela era sua tia. Faleceu em 1996, em Beverly Hills, Califórnia, aos 79 anos de idade. Está enterrada no Inglewood Park Cemetery, em Inglewood, também na Califórnia.
“Não quero dizer disparates, mas acabo sempre por fazê-los. Acho que me saio melhor a cantar.” – Ella Fitzgerald
Músico/Colaborador