A vida humana decorre, necessariamente, num dado espaço e num dado tempo. Como diria o filósofo de Königsberg, Immanuel Kant, “espaço” e “tempo” constituem as formas – ou fôrmas – a priori que configuram a vida e a experiência humanas. “Onde” e “quando” são, pois, as formas que antecedem toda e qualquer experiência, tornando-a possível. É neste sentido que as ciências sociais e humanas, como a Geografia e a História, constituem construções configuradoras da experiência humana, na medida em que a ordenam num espaço e num tempo.
Porém, como conceber o tempo? “Se ninguém me pergunta, eu sei. Se quero explicá-lo a quem me pede, não sei” – responde Santo Agostinho.
Para o homem imbuído de um espírito de racionalidade, como o homem contemporâneo, o tempo é normalmente concebido de um modo homogéneo, linear e contínuo, apresentando-se com uma estrutura triádica: passado, presente e futuro. Ainda assim, continua a ser ténue a fronteira que separa o “logos” do “mithos”, a consciência racional da consciência pré-racional.
Mesmo para o atual homem da consciência científica e tecnológica, o tempo não é totalmente homogéneo, nem totalmente contínuo. Continua a haver – como na consciência mítico-religiosa – por um lado, os intervalos de tempo sagrado, o tempo das festas; por outro lado, o tempo profano, a duração temporal ordinária na qual se inscrevem os atos privados de significação religiosa. E entre estas duas espécies de tempo, continua a existir solução de continuidade por intermédio dos ritos.
O Natal ou a Páscoa constituem, nas atuais culturas ocidentais, exemplos de festas periódicas, de intervalos de tempo sagrado e de rituais que permitem a passagem de uma temporalidade ordinária para uma temporalidade supostamente sagrada. É comum dizer-se que o rito é o “mito em ação”. Por meio dos ritos e dos rituais as culturas repetem os mitos, isto é, as histórias sagradas que ocorreram “in illo tempore”, nos tempos imemoriais e primordiais da origem, como refere Mircea Eliade.
Por intermédio dessa repetição o homem, incluindo o homem da civilização científica e tecnológica, continua a acreditar numa espécie de renascimento, numa espécie de retorno ao ponto de origem. Pelo rito, o homem continua a acreditar, pois, na anulação da irreversibilidade e da inexorável passagem do tempo.
