Conheci o Fernando Girão há quarenta e sete anos, na sala de ensaios (Amadora), onde eu ensaiava com os Go Graal Blues Band. Na altura, o Fernando tinha um projeto denominado “Circo da Vida”, onde pontuava o baixista Pedro Wallenstein, atualmente diretor da GDA – Gestão dos Direitos dos Artistas.

Numa visita a Madrid, obrigatoriamente tinha que passar no seu melhor clube de jazz, o “Café Central”. Início a minha descida para o clube e começo a ouvir o “Velhinho Moderno”. Zezé Ngambi na bateria, que Deus tenha a sua alma em descanso…
Quando o Fernando gravou o “jingle” comercial para os “20 anos de Regisconta” (Aquela Máquina), ficou conhecido pelo nome de Very Nice! A sua voz meio rouca, era sinal de mudança de algo inusitadamente “novo” para a altura…
Fernando é o superno compositor português, se analisarmos as centenas de canções que outros cantores interpretam e que nós desconhecemos muitas vezes o seu autor. Quando era adolescente, ficava emocionado, quando ouvia os “20 anos” do José Cid, só passados muitos anos, quando atuei ao lado dele, é que soube que o compositor da canção é o Tozé Brito.
Admiro o Fernando pela sua irreverência, fruto de uma espiritualidade muito enraizada nas suas origens. Nasceu em São Paulo, filho da cantora brasileira “cabocla” Maria Girão e do guitarrista português Fernando de Freitas. Com dezassete anos veio para Portugal e inicia a sua vida artística no “Pentágono”, depois entra para os “Heavy Band”. Quando parte para Angola, de 1971 a 1973, edita os singles “Beggar Man” e “Your New Motel”. E no Brasil, esta banda fez a primeira parte de Gilberto Gil, Os Mutantes e Hermeto Pascoal. No início de 1975 participou, conjuntamente com Jorge Palma, no Festival RTP da Canção. Avancemos: em 1982 , sai o disco “Intelectual do Café” que foi nº1 do top no programa “Nós Por Cá” de Rui Pego e António Duarte, na Rádio Renascença. No mesmo ano, é editado o álbum “Contos da Europa Tropical”. O disco “Africana” é editado pela CBS
espanhola, em 1989. Segue-se o disco “Índio” editado em 1989. Depois do disco “Girão Live”, editado em 1991, a Numérica lançou o disco “Outros Fados”. No final deste artigo, vou enumerar a discografia do Fernando, agora vamos às “migalhas”…
– Desculpa Ferro, mas tens que mencionar a “Antologia Híbrida”, um livro com oitenta ilustrações, com prefácio de Pedro Abrunhosa, Baptista Bastos e Helena Sacadura Cabral. Em 2009 regressa ao fado, com o álbum “Fado Negro”, com dois fados dedicados aos pais, “Fado Maria Girão” e “Fado Fernando de Freitas”.
No passado dia 25 de abril de 2025, dia da revolução dos cravos, lançou este álbum “Migalhas Cósmicas”, uma parceria com o músico e produtor Vicente Pereira, Excelente o seu trabalho!
Numa primeira audição e já vou na quarta…De certo com vocês, vai passar-se o mesmo. É impossível ouvir-se apenas uma ou duas vezes, é demasiado magnetizante, cuidado! Pode ser até compulsivamente viciante…
Fernando não se limitou a por o dedo na ferida, mas sim onze dedos, (Missão Cósmica, Do amor dos mal amados, O fogo que nunca se Apaga, Somos nós o nosso fim, Migalhas Cósmicas, Aqui se vendem crianças, Já foram cinquenta anos, O homem novo se aproxima, Estudo Secreto, Fica comigo meu Amor e Parte de Deus), são estas as onze faixas que vocês vão ouvir copiosamente!!!

Nessa e nesta grande e podre sociedade, haja alguém que levante a voz!
Os seus textos quando ouvidos e interiorizados, passam a ser de todos nós, passam a ser a nossa voz, o nosso grito, ACORDEM!
Já repararam que por onde passamos, só ouvimos gentes a queixarem-se da vida, do emprego, da conta bancária, da família, dos amigos, etc…Mas o que fazem para mudar o rumo das coisas? Em quem votam?… Em quem acreditam ?…Porque se resignam?
O Estado Novo e a PIDE que infelizmente fui obrigado a acatar, roubaram-nos a liberdade de pensar e depois de cinquenta anos de liberdade, onde estamos? O que fazemos? No que melhoramos? Onde está a evolução do ser humano?… É tudo isto e muito mais que o Fernando nos transmite neste disco! Senão vejamos e façamos uma breve visita aos seus textos:
“Já foram cinquenta anos, muita água já passou, é melhor que antigamente, mas a igualdade não chegou. Acabou o estado novo e outro estado começou, o povo morre mais pobre, o rico vive mais rico. A vida é diferente, as desculpas são iguais, a luz o gás e as rendas, cada dia sobem mais. Que adianta a liberdade, se nos falta casa e pão, de que serve a eternidade, se o nosso tempo é em vão”
É toda esta irreverência que eu aprecio e louvo no Fernando, a sua capacidade analítica, a sua capacidade social, o seu grito de liberdade!
Aquela voz que todos recordamos “Aquela Máquina!” dos anos 70, cinquenta e cinco anos passados, pode ser o nosso porto de abrigo, principalmente para aqueles que pensam e sentem, mas falta-lhe a coragem para gritarem o que lhes vai no coração. Obrigado Fernando por seres meu amigo e um homem com o qual me identifico muito espiritualmente! Obrigado por EXISTIRES!!!
Agora OUÇAM!!! https://www.youtube.com/watch?v=PjzhtYMOOPM

Músico/Colaborador