O Cidadão (OC) –Em finais de 2023, mostraram indignação pelo facto de ter sido atribuído o suplemento de missão apenas à PJ. Sentiram-se discriminados?
Frederico Morais (FM) – Completamente. Até porque os guardas prisionais estão sob a alçada do mesmo Ministério. A atual Ministra da Justiça tutela tanto a PJ como o corpo da guarda prisional, decidindo atribuir o suplemento de missão somente à PJ. É o caso de uma “mãe” e de uma “madrasta”. É mais do que justo atribuí-lo à PJ, mas ainda mais justo seria atribuí-lo também aos guardas prisionais. Mas as nossas pretensões passam também pela valorização salarial. A 14 de novembro de 2022, fomos chamos pelo Governo para nos pronunciarmos sobre a valorização salarial. Propusemos, nessa altura, a entrada no nível 15 para a carreira do corpo da guarda prisional, o que equivaleria a pouco mais de 1.200 euros mensais (e que, neste momento, corresponde a 1.333 euros). Essa seria, portanto, a nossa valorização salarial. Eu, por exemplo, tenho 22 anos de carreira enquanto guarda prisional e aufiro cerca de 1.100 euros por mês.
OC– E o que resultou desse encontro com a estrutura governamental?
FM – Nada. O Ministério da Justiça ficou-se pelas promessas. Eu próprio, aliás, transmiti que aos responsáveis do Ministério que os tinha como pessoas sérias. Tinha… porque, hoje, já não tenho. Os últimos desenvolvimentos, aliás, demonstram que o Governo apenas andou a enganar-nos – quer ao corpo da guarda prisional, quer à PSP e à GNR. Temos o sistema de avaliação e desempenho assinado, o compromisso das promoções por escrito, mas que resultaram em nada. Sentimos que o Sindicato foi usado.
OC– Em relação ao suplemento de missão (e em comparação com os valores avançados para a PJ), a diferença é grande perante o que aufere um guarda prisional?
FM – A diferença é grande. O Ministro da Administração Interna, aliás, disse que o corpo da guarda prisional tem 8 suplementos e eu não sei onde ele foi buscar esse dado. Bastaria mostrar-nos um recibo de um guarda prisional, em vez de afirmar que a diferença não era assim não grande. Isto é malabarismo. Quem atribui o suplemento de missão à PJ é o Primeiro-Ministro, o Ministro das Finanças e a Ministra da Justiça, diretamente, tal como foi noticiado na comunicação social. Não houve qualquer desmentido sobre isto.
O Ministro da Administração Interna aparece apenas para ameaçar as forças de segurança. A Ministra da Justiça é a causadora de todo este problema, pois a vida de um guarda prisional vale tanto como a vida de um profissional da PJ. E ela, simplesmente, desapareceu. Tal como já tinha desaparecido durante 18 meses e meio. Nunca houve abertura para reunirmos com a Ministra da Justiça. Apareceu o Secretário de Estado e, a partir de dada altura, até ele decidiu não reunir mais. O problema, portanto, foi sendo empurrado.
OC – O Ministro da Administração Interna realçou que o Governo não tem legitimidade política para assumir encargos duradouros, até à entrada de um novo executivo. Que leitura fazem desta declaração?
FM– É mais uma manobra de malabarismo do Governo. E, também, uma mentira que é contada aos portugueses. Um dia após essa declaração, aliás, a Ministra da Presidência e o Ministro de Economia anunciaram o acordo dos transportes públicos, onde vão ser investidos 736 milhões de euros. Veja-se o que aconteceu com as manifestações dos agricultores: passadas 12 horas, o Governo correspondeu com 500 milhões euros para ajudas. Este é o mesmo Governo que está em gestão – que toma decisões políticas apenas para alguns (e sobre os quais nada temos contra, note-se), mas que, em relação ao corpo de guardas prisionais, nada faz a não ser brincar com os serviços de força e segurança. Nós fizemos um juramento à Constituição da República Portuguesa. Muito provavelmente, somos mais sérios do que o Governo.
OC –Então como interpretam a tomada de posição do Ministro da Administração Interna?
FM– Interpretamos como uma ameaça aos serviços de força de segurança, diretamente a PSP e a GNR, com o corpo da guarda prisional lá metido pelo meio do discurso. Quando ele próprio diz que não tem nada que ver connosco, mas sim o Ministério da Justiça. Questionamos: é um jogo de futebol (não realizado por falta de agentes da PSP) que está no topo das prioridades? Durante meses, o Governo andou a assobiar para o lado.
OC – Compreende que tenha existido um “número não habitual” de agentes da PSP de baixa, entre os que estavam escalados para o jogo entre Famalicão e Sporting?
FM – Compreendo. E mais: compreenderia melhor se o Ministro levantasse um inquérito para saber porque existem mortes entre as forças de segurança ou constantes agressões. No que a nós diz respeito, e só no primeiro mês do ano, já temos 8 guardas prisionais agredidos. É óbvio que, psicologicamente, esses meus colegas (e os que os rodeiam) não estão bem. Estamos todos sob pressão constante. Neste momento, somos guardas prisionais por orgulho.
Portanto, sim, compreendo perfeitamente o grau de exaustão dos agentes da PSP, dos meus colegas e de outras forças de segurança. É demasiada pressão. Vamos ao extremo de colocar em causa a própria Ordem dos Médicos, por causa de um jogo de futebol. Então e criarem condições de segurança e higiene no trabalho, não? Já agora, relembro que o nosso sindicato foi pioneiro na criação de uma linha SOS, de apoio psicológico, para os guardas prisionais. Um colega nosso morreu e tomámos essa iniciativa – quando deveria ser o próprio Estado a assegurar esse apoio.
OC –Acreditam que o impasse vai ser ultrapassado a partir do momento em que teremos um novo Governo (seja ele qual for)?
FM – Essa pergunta é muito difícil de responder. Confesso que estou farto de promessas eleitorais e de negociações. A baliza da negociação foi implementada pela Ministra da Justiça, após anos e anos a reivindicarmos uma valorização salarial que achamos mais do que justa. E até essa base de negociação foi simplesmente menosprezada. É demasiado triste.
OC – Sentem-se à margem das restantes forças de segurança (PJ, PSP e GNR)?
FM– Sentimos, claro que sentimos.
OC – Até mesmo pelos sindicatos que representam essas forças de segurança?
FM – Ora aí está uma pergunta que, finalmente, me colocam para poder desmistificar algum atrito que trespassou na comunicação social. Efetivamente, sentimo-nos à margem da plataforma [que congrega sindicatos e associações das forças de segurança]. As negociações para que o corpo da guarda prisional seja incluído não foram bem-sucedidas, sobretudo porque há vários Ministérios envolvidos.
Percebemos, infelizmente, que os problemas colocados pelo Governo travam a ação dos próprios sindicatos. Caso contrário, os resultados surgiriam e a capacidade de união certamente refletir-se-ia. Não sendo essa a realidade, tivemos de partir para medidas próprias.
OC – E estão a ter o efeito pretendido?
FM –Sim, até porque são justas, sérias e honradas. Estamos apenas a exigir o que nos foi prometido por escrito. Não estamos a colocar em causa os nossos serviços, não estamos a desrespeitar os reclusos e estamos a cumprir a lei e a Constituição. Dia 22 de fevereiro, teremos uma nova greve total, após a que ocorreu a 31 de janeiro.
OC – Entretanto, entre 13 e 25 de fevereiro há pré-aviso de greve às diligências…
FM– Exato. Todas as saídas ao exterior com os reclusos serão feitas apenas com o devido fundamento: ida aos tribunais nos casos para liberdade, extradições, deportações (que, aliás, foi algo que transitou para o domínio do serviço dos guardas prisionais), consultas e doenças específicas, por exemplo. Aí, temos de cumprir com os serviços mínimos.
OC – Estão conscientes do impacto desencadeado pela greve às diligências, sobretudo em termos de processos judiciais?
FM -Estamos. O Governo é que não está. Infelizmente, sabemos que isto causa danos. Em 2022, fizemos uma greve às diligências, de 4 meses, que causou um impacto enorme. Sabemos que esta greve vem prejudicar, ainda mais, o funcionamento da Justiça. Mas não podemos permitir que o Governo continue a brincar com o corpo da guarda prisional. Só desta forma podemos demonstrar a nossa verdadeira indignação. É um direito que usamos de forma consciente.
OC – Não deveria haver uma maior solidariedade entre todas as forças de segurança?
FM – Nunca afirmámos que nenhuma força de segurança não deveria receber o suplemento de missão. Isso, aliás, foi vincado em todos os diálogos que mantivemos anteriormente com a estrutura sindical que representa a PJ, por exemplo. Não há, sequer, motivos para haver desavenças entre os diferentes sindicatos. Mas confesso que me sinto magoado por o corpo da guarda prisional não estar incluído na plataforma. É mesmo uma mágoa pessoal, até porque fui eu que estive envolvido nessa negociação.
OC – Sentem-se o elo mais fraco entre as diferentes estruturas sindicais?
FM – Sentimo-nos o elo mais forte. Porque o corpo da guarda prisional estava desunido e descrente. A nossa união é muito grande. Temos ferramentas que as outras forças sindicais não têm. Não partimos para medidas ilegais quando temos outras legais na nossa posse, como as greves às diligências, as greves gerais, as greves ao trabalho e às horas extraordinárias. Recorremos a medidas que estão ao nosso alcance, mediante as nossas necessidades do dia a dia. Iremos continuar. Vamos até onde tivermos de ir.
Queremos ser considerados como pessoas e não como números, que integram uma força de segurança institucional que garante o cumprimento das regras da sociedade.
OC -Consideram que as vossas reivindicações devem ser atendidas até data das eleições?
FM – O Governo tem plenos direitos para resolver este problema já. Caso contrário, a minha convicção pessoal é esta: o corpo da guarda prisional irá demonstrar o seu desagrado ao atual executivo nas ruas. Portanto, o momento é agora. Pelas nossas contas, o aumento do corpo da guarda prisional tem um custo anual de 1.596 milhões de euros por ano. E isto tem de ser olhado não como mais uma despesa, mas sim como um investimento. Não é por acaso que surgem concursos para incorporar 150 guardas prisionais, quando depois só aparecem 110 para fazerem o curso. A nossa carreira deve ser valorizada.
OC – Com que condições de trabalho se deparam atualmente os guardas prisionais?
FM – Os estabelecimentos prisionais são inseguros e não apresentam condições de trabalho dignas. As condições de habitabilidade das celas são indecentes. Há um desinvestimento absoluto no parque prisional. Algumas carrinhas celulares nem podem circular da zona do Marquês de Pombal para baixo, pois já são anteriores ao ano 2000. Vamos circulando apenas e só por causa do bom senso dos nossos colegas. Reparar um simples furo exige que sejam solicitados 3 orçamentos. Ora, nenhuma oficina quer sujeitar-se a ganhar trabalhos para perder dinheiro.
Está na altura de se melhorarem as condições de reclusão, para acabar com a vergonha do Estado português ser constantemente condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Os guardas prisionais estão revoltados e cansados. É a obrigação do cumprimento de serviços mínimos por parte dos guardas que leva o Governo a arrastar a situação. Mas eu, se fosse Governo, teria vergonha. E seria sério.
Reportagem de Abílio Ribeiro ( texto, fotos e montagem)
Jornalista