Havia um olhar transparente e todos os devaneios nos interpelavam pelas tardes rasantes, em finais de verão. Tantas tardes, tantos instantes de calor. E depois disto cantávamos pelas ruas a nossa intimidade. Descíamos a cidade até ao rio. Os pensamentos corriam-nos apressadamente, sem ruído.
Não sabemos há quanto tempo nos consentíamos a estas viagens. Esta dependência de caminho. De corpo.
Íamos fugindo à monotonia dos dias iguais. Vivíamos juntos as angústias, as alegrias e também o medo de sermos acometidos por outros horizontes.
Um dia e outro dia, começaste a deixar que as tardes fossem prazenteiras. O mar ficou mais longe e a cidade mais pequena. A ausência começava a sentir-se e o azul escureceu. Até o chocolate quente, tomado na cafetaria da praceta, nas tardes de outono, foi rareando.
E as promessas, feitas à boca da noite, morrem lentamente…
Ao telefone, a nossa voz era um encontro festivo. Deixávamos mensagens e mesmo não nos vendo, estávamos um para o outro. O telefone era para nós, uma janela aberta para o oceano que nos navegava.
E o telefone deixou de tocar. Os dias enturveceram. Um silêncio áspero e agudo fere-me o peito.
Atravesso os dias todos iguais a tentar captar o sentido das tuas palavras – inúteis e despidas, vejo-o agora com nitidez. Mas ainda são as tuas feições que me surgem nos sonhos.
São muitas as interrogações. «Onde estás?»
Os meus receios aumentaram e fiz-me grito pela noite antiquíssima contigo nos braços. Fugiste-me como uma flecha solta na cauda de uma estrela velha. O amanhecer é lento sem ti em redor dos meus braços. O desalento. Não havia mensagens. «Como é que consegues?»
O que desfez aquela paixão que nos alimentava como pão para a boca!? Aquela fervência que nos sustinha na dura realidade da vida. Sempre que o telefone tocava era a tua voz que queria ouvir. O teu sorriso. As palavras cristalinas de felicidade.
Esperei em vão e em nenhuma das chamadas eras tu.
Nunca era ela! Deixou de ser ela!
E porque a saudade nos desequilibra, caímos numa noite interminável. Coabitamos com os nossos demónios que nos mordem a alma. Entramos no próprio refúgio e nada nos aquieta.
Os dias e as noites sucederam-se e percebi que já não estavas comigo. Faltou-nos a coragem de uma despedida, talvez de um adeus.
Já não tenho o teu número de telefone, já não espero a tua voz.
Deixei de me segurar a coisas que nos podem escapar entre os dedos.
Se era amor, não o reconheci. É preciso criar um alfabeto envolto em gestos que sejam alimento.
Agora que acabo de te escrever, acho que só tinha olhos para ti. Só a ti dei flores e versos.
E o tempo, em sobressalto, arredio e instável, adormeceu o medo que tinha de te perder.
«Onde estás?»

Professora e Escritora