“A mente humana tem uma habilidade assombrosa de transformar o imprevisível em inevitável.” – Baruch Fischhoff
Confesso: todas as vezes que ligo a televisão e ouço um comentador político ou social na TV a dizer “mas era óbvio que isso ia acontecer” (fiquem atentos, porque acontece explicita ou implicitamente sempre!), fico com vontade de gritar: “ah, era? E por que é que ninguém percebeu isso antes de acontecer?” – Estou cansado desses vendilhões!
É impressionante como, depois de cada crise política, eleitoral ou internacional, todos se tornam profetas. Os mesmos analistas que ontem minimizavam a ascensão de líderes autoritários hoje dizem que “era evidente” para onde as coisas caminhavam. Como se a história fosse uma linha reta e não um emaranhado de escolhas incertas, ambíguas e, muitas vezes, contraditórias. Isto faz-me lembrar um pensamento de Martin Niemöller, o Pastor alemão que criticou a passividade diante do avanço do nazismo. “Primeiro vieram os nazis… e eu não disse nada. Eu não era comunista. Depois vieram os comunistas… e eu não disse nada. Eu não era social-democrata…”
O Professor e Psicólogo Baruch Fischhoff deu um nome a isso: o “viés retrospectivo”: a tendência que temos de achar, depois de saber o resultado, que ele era evidente desde o princípio. É como se o nosso cérebro apagasse as dúvidas do passado e reescrevesse a narrativa para nos fazer sentir mais seguros — e mais espertos — do que realmente somos.
Pense-se na ascensão de figuras como Donald Trump nos Estados Unidos ou na consolidação do poder autoritário sob Vladimir Putin, na Rússia. Hoje, parece quase inevitável que um discurso baseado no medo, na polarização e na desinformação levasse à erosão das instituições democráticas. Mas, na altura, muitos subestimaram o risco. Outros hesitaram entre ver neles simplesmente populistas ou verdadeiras ameaças ao Estado de Direito. E agora, alguns desses mesmos observadores querem convencer-nos de que tudo era previsível. Era mesmo? Nassim Nicholas Taleb, autor de “A Lógica do Cisne Negro”, diz que “prever o futuro costuma ser mais fácil do que compreender o presente.”
E isto não é apenas um problema nosso. É sistémico. Politicamente conveniente. Se eu disser que “já se via a léguas” que uma medida extremista iria falhar — ou que um líder autocrático acabaria por sufocar a liberdade — estou a posicionar-me moralmente superior… mesmo sem ter provas de que, na altura, eu realmente visse isso.
Mas essa sensação de clareza é uma ilusão. E é muito perigosa!
Vejamos: quando acreditamos que o futuro é fácil de antecipar só porque o passado parece claro, corremos o risco de ignorar a complexidade das situações reais. De subestimar incertezas. De repetir erros, mas com mais arrogância. O viés retrospectivo cria uma falsa consciência de controlo — e transforma a análise num mero espetáculo.
Fischhoff mostra-nos que esse excesso de confiança pode ser especialmente prejudicial em decisões importantes: na política, na saúde, na educação, na gestão de crises, nas relações interpessoais. Quando julgamos os outros com base no que sabemos hoje, sem considerar o que era razoável saber ontem, estamos a impedir que aprendamos verdadeiramente com o passado. E isto também se aplica às nossas vidas pessoais.
Aliás, esta questão toca temas muito mais graves. Muitos, hoje, olham para períodos históricos negros, como o avanço do nazismo ou o Holocausto e perguntam: “como é que ninguém viu aquilo a chegar?” Mas a realidade é que, na altura, havia sinais contraditórios, cidadãos distraídos, elites politicamente paralisadas. A história não se desenrola em câmara lenta. Ela avança depressa, cheia de ruído, e nem sempre é fácil distinguir o alarme verdadeiro do falso.
Então, talvez o verdadeiro sinal de inteligência não seja aquele que aponta o óbvio depois, mas sim aquele que reconhece a ambiguidade antes. Que aceita que nem sempre havia como prever. Que sabe distinguir entre quem teve sorte e quem teve juízo.
E talvez, só talvez, devêssemos exigir mais humildade dos comentadores — e de nós mesmos. Porque o futuro nunca é uma repetição do passado. É um território novo, onde as certezas da retrospetiva são, muitas vezes, armadilhas bem disfarçadas.
“Eu não te disse?!”


Professor, Poeta e Formador