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Segunda-feira, Março 24, 2025

Entre os Espelhos da Alma: O Necessário Despertar da Consciência – Por José Paulo Santos

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José Paulo Santos
José Paulo Santos
Professor, Poeta e Formador
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Foto de ELINA SAZONOVA

“O homem é capaz de mudar o mundo para melhor, se possível, e mudar-se a si mesmo para melhor, se necessário.” [Viktor Frankl]

Numa manhã qualquer, enquanto o sol tímido se infiltrava pelas frestas da cortina, Clara e Rafael encontravam-se imersos num mar de distrações, onde o constante tilintar do telemóvel e a efemeridade das redes sociais lhes roubavam preciosos momentos de conexão. A pressa do quotidiano e o excesso de estímulos digitais transformavam cada instante num turbilhão, afastando-os da essência que os unia e minando a profundidade da relação. Assim, entre a confusão de notificações e conteúdos vazios, os sinais subtis do outro eram facilmente ignorados e o “nós” que um dia floresceu tornava-se cada vez mais distante.

Neste cenário, a consciência plena, ou mindfulness, surge como um refúgio e um caminho para a renovação. Trata-se de um exercício de atenção intencional ao presente, um convite a desligar o piloto automático e a mergulhar no agora, onde cada respiração se torna um ato de resistência contra a distração. Jon Kabat-Zinn, professor Emérito de Medicina e diretor fundador da Clínica de Redução do Stress e do Centro de Atenção Plena em Medicina, na Escola Médica da Universidade de Massachusetts, expressou esta ideia de forma tão simples e profunda: “mindfulness é a consciência que surge ao prestar atenção, de propósito, no momento presente, sem julgamento.” Este estado de alerta, onde o olhar se volta para o interior e para o outro, é o antídoto que contrasta com a dispersão que nos domina.

Ao deixar de nos rendermos à correnteza insana e irrefletida dos estímulos irrelevantes, permitimo-nos experimentar o silêncio e a presença, onde reside a verdadeira comunicação. Como bem recordava David Mourão Ferreira, “a poesia é a nossa forma de resistência num mundo que insiste em perder o sentido do ser.” Assim, cultivar a consciência plena não é apenas uma prática meditativa, mas um gesto revolucionário de reconexão com a própria essência e com o outro, um ato de amor que transforma o relacionamento.

A prática diária da atenção plena pode ser incorporada em pequenos momentos – ao saborear um café, ao partilhar um olhar, ao escutar o outro sem as interferências do mundo digital. É neste exercício de parar e refletir que se constroem os alicerces de uma relação sólida e consciente. Sophia de Mello Breyner Andresen recordava que “o silêncio é também uma palavra que fala”, um convite para ouvir o mundo e redescobrir a beleza dos instantes simples. Num ambiente onde cada segundo conta, cultivar a consciência é aprender a valorizar cada gesto e cada palavra, transformando o espaço que divide num laço que une.

Quando a prática da consciência plena se instala, a vida do casal transforma-se de modo profundo. É preciso tomar decisões e criar rupturas com os maus hábitos. Rafael, que antes se perdia nas distrações digitais, passa a notar o brilho nos olhos de Clara e a perceber os sentimentos por detrás de cada palavra. Clara, por sua vez, aprende a reconhecer as suas próprias emoções, a escutar-se e a conhecer-se mais e melhor, evitando reações impulsivas e abrindo caminho para um diálogo mais autêntico. A presença consciente permite que cada conversa se torne uma oportunidade para reforçar o “nós”, reconstruindo a intimidade e a cumplicidade que um mundo em queda, muitas vezes, parece querer apagar. Sejamos corajosos e resistentes. Combatamos a nossa fraqueza, impedindo que a futilidade, a banalidade tomem conta das nossas vidas! Afinal, o que conta mesmo, realmente, no prato da balança da sua vida?

É essencial identificarmos o verso, aquele verso precioso de um Poema majestoso que resume a nossa vida, como diz o querido Poeta e Amigo Eugénio de Andrade: “No prato da balança um verso basta para pesar no outro a minha vida.”

As palavras de António Damásio ecoam neste contexto: “não somos máquinas de pensar que sentem, mas sim máquinas de sentir que pensam.” E é neste espaço entre o estímulo e a resposta, tão eloquentemente descrito por Viktor Frankl, que reside a nossa liberdade para escolher a presença em vez da distração. Quando nos permitimos viver o agora com intensidade, cada instante partilhado torna-se um ato de resistência contra um mundo que muitas vezes nos oprime e nos condena a uma existência vazia.

Frankl (1905-1997) foi neuropsiquiatra austríaco e fundador da terceira escola vienense de psicoterapia, a Logoterapia e Análise Existencial. O doutor Frankl ficou mundialmente conhecido depois de descrever a sua experiência dramática em quatro campos de concentração nazi, no seu best-seller internacional: Em Busca de Sentido. Vivamos, pois, com sentido, com um propósito sólido e inabalável, em consciência plena!

Este é um apelo urgente: deixemos de lado as banalidades que nos afastam do que realmente importa e redescubramos o poder do silêncio e da atenção. Que possamos, com serenidade e coragem, cultivar uma vida de consciência plena, onde o “nós” seja o centro e o refúgio, onde cada respiração, cada olhar e cada palavra contribuam para a transformação de nós mesmos e do mundo que nos rodeia. Afinal, como bem ensinam os grandes escritores, a verdadeira revolução começa por dentro, num instante de presença que ilumina o caminho para a mudança.

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