Quando nos leram a Cinderela ou a Branca de Neve ficámos enternecidos, a inocência fez-nos acreditar que o bem e o amor vencem sempre, apesar da maçã envenenada ou a maldade das irmãs. Que tudo é mágico e tudo vencemos.
Um dia acordamos e percebemos que não há princesas nem cavalos brancos e que a realidade é outra. Que o amor dos livros anda muitas vezes às voltas e revoltas a comporem a própria vida.
“E viveram felizes para sempre”. É assim que acabam as histórias de encantar, é assim que termina ou devia terminar a união entre duas pessoas que se amam. Mas a vida do corre-corre escurenta o sentimento, param os beijos e os abraços, as datas comemorativas, os olhares cúmplices e diminuem os pequenos detalhes que mantêm viva a paixão.
Um dia apaga-se a labareda e deixam-se de arrebatar e cantar o afeto e o entusiasmo iniciais. Vão nascendo os desencantos e com o tecer do tempo, algo se perde ocultamente. Começamos a navegar em direções opostas.
Os dias começam a disseminar o que o coração profundamente louco iniciou, some-se o fogo de outrora, não há mais beijos ou sorrisos que alimentem as bocas. A poesia ausenta-se da nossa cama. O mundo quotidiano do amor transforma-se num ruído áspero de discussões, de desordens, onde o verbo conjugado pode também ser o do silêncio que sufoca. E o outro, que então era um deus de elevada estatura, único e insuperável, perde-se na natureza da própria sombra, respirando a insignificante matéria do barro.
Caetana apertou o casaco – e estava em pleno verão, sentiu um aperto no peito. Caminhava sozinha pela rua fora entregue aos seus pensamentos que saíam dentro de si como vozes internas, misturadas com o som dos seus passos. Esperava-a a solidão e o vazio lá em casa. As palavras surdas crescem até lhe encherem os pulmões, engole a respiração e o seu corpo treme como no inverno.
Naquela noite, quando entrou em casa, surpreendeu-a uma claridade lassa que chegava até o hall de entrada e o cheiro antigo de tarte de maçã que vinha da cozinha. Que sensação de conforto! Observou um vulto familiar. Não poderia ser mais ninguém a não ser ele.
Em passos muito leves passou o corredor e olhou de relance a cozinha. O mesmo vulto. O mesmo aroma. O seu coração acelerado por memórias confusas, dirige-se até à cozinha. Ele abraçou-a e beijou-a como se nunca tivesse saído dali.
Acordou com os raios de sol a perfurarem as persianas, esfregou os olhos e sentiu-se nauseada. Trémula. Não teve forças para se levantar e ir até à cozinha… ainda sentia o corpo dele e o aroma a tarte de maçã pela casa.
Na verdade, mesmo com derrotas, vamos contornando os obstáculos e vivendo algumas vitórias. Sem falsos moralismos, continuaremos a sonhar com a felicidade e a ver o mundo de forma romântica. E isso, não tem mal nenhum, nenhum!
E todas as Caetanas poderão escolher o próprio caminho, seguir pela floresta ou dançar até à meia noite. Ser Cinderela ou Branca de Neve.
Professora e Escritora