Nunca fui propriamente um sem abrigo, mas já vivi só com dois sacos. Um saco de livros e um saco de roupa, onde seguia também o meu saco-cama enrolado. Não tinha mais nada, para além do que vestia, o que até era muito conveniente e dava-me muita mobilidade.
Estudava em Coimbra no meu primeiro ano e depois de desertar da casa de quartos alugados onde simplesmente vegetava, comecei a minha grande demanda. Eram noites de tertúlias intermináveis. Não tinha poiso fixo e ia pernoitando em lugares de ocasião que arranjava, ora aconchegado em algum corredor furtivo ou clandestinamente num cantinho de um quarto de um compincha e até por vezes acompanhado.
Era um miúdo a que achavam graça e nem precisava de muito dinheiro. Amiúde, ofereciam-me comida e bebida em noites acesas de discussão e cantorias. Conheci pessoas incríveis! Não olhava para trás, nem me preocupava com o amanhã, vivia no presente. Não precisava de muito para ser feliz. Recentemente, reparei que há uma corrente de psicólogos que prega viver o “agora” e eu, por graça, vejo nela o meu pequeno paradoxo, pois não resisto em olhar para o passado e ter algumas saudades daquele puto de outrora que só o presente vivia.
AOS LEITORES: A rubrica “INSTANTES ESCRITOS” é um espaço para onde poderão enviar as vossas crónicas. Essas histórias deverão rondar os mil carateres. Enviar para instantesescritos@ocidadao.pt

Editor Adjunto