A falta de experiência na área da restauração não foi fator impeditivo para levar por diante o desafio a que nos propusemos. Quem nos “infiltrou” no restaurante, lançou de imediato o aviso: “o posto de trabalho tanto pode ser na cozinha como na sala de refeições. E há sempre qualquer coisa para fazer”. Assim o comprovámos, desde o primeiro instante em que nos apresentámos ao serviço.
Sob o olhar atento do gerente (que confirmou a falta de mão-de-obra qualificada), procurámos não dececionar. O restaurante tem cerca de 40 lugares sentados. Um rodopio constante de clientela ávida por pratos típicos como carne de porco à alentejana, rojões à minhota, bacalhau à Brás e jaquinzinhos fritos com arroz de tomate. Pratos relativamente fáceis de confecionar e em quantidades robustas, assegurando margens razoáveis.
O PRIMEIRO DIA
A jornada inicia-se por volta das 10:00 horas. Mesas já postas (trabalho adiantado na véspera). Adivinha-se um dia bastante preenchido. Reservas esgotadas. Almoços entre as 12:00 horas e as 15:00 horas e jantares desde as 19:30 horas até às 22:30 horas. Reunião prévia com o “staff”, na qual o gerente relembra: cozinha e empregados de mesa devem estar em sintonia, para que a rotatividade das mesas seja cumprida. Pede-se rapidez e simpatia a rodos. “É para despachar os clientes”, mas sem “nunca darmos ares de quem está com a pressa toda”.
Carne de porco à alentejana e bacalhau à Brás figuram no menu do dia. Começamos na cozinha. A descascar batatas e a parti-las aos cubos. Os tachos enchem-se de pedaços de carne de porco comprada no talho local (a preço mais em conta) e a ameijoa (congelada, para não pesar no orçamento) repousa em recipientes de plástico. Prosseguimos, picando quilos de pickles e generosos ramos de salsa.
Passamos pela zona de apoio à sala de refeições. Entre folhas de hortelã e fruta cortada, asseguramos o preparado para a sangria branca (especialidade da casa). O vinho, como denuncia a embalagem, vem dos lados de Serpa e a gasosa é da marca de uma cadeia de hipermercados. Confirma-se: também nas bebidas é preciso garantir boas margens.
Os primeiros clientes chegam antes das 12:00 horas. Servimos de cicerones, encaminhando-os para as respetivas mesas numeradas. A partir daqui, assumimos novo posto na sala de refeições, anotando pedidos, comunicando-os à cozinha, carregando travessas de comida, jarros de sangria e garrafas de vinho. O compasso de espera entre os pedidos efetuados e a chegada dos pratos é cuidadosamente cronometrado e tem uma finalidade: levar ao consumo do “couvert” (azeitonas mistas, fatias de pão alentejano, manteigas e patés, queijo curado). O objetivo é fácil de alcançar, especialmente nos grupos mais numerosos: basta que um elemento comece a comer pão com manteiga e os restantes vão por arrasto. A gerência agradece.
O bacalhau à Brás estava com pouca saída. Instruções de última hora dadas pelo chefe de sala, a meio do horário de almoço: mencionar aos clientes que há poucas doses do prato de bacalhau. O “gatilho mental” funciona. A escassez influencia os fregueses e estimula-os a fazerem o pedido. Resultado: não sobrou bacalhau à Brás.
Almoçámos juntamente com o “staff” por volta das 16:30 horas, após arrumação das mesas e limpeza da cozinha. A refeição (carne de porco à alentejana, com extra de enchidos grelhados na hora, cortesia da gerência) prolongou-se até às 17h. Seguiu-se limpeza da sala de refeições e das casas de banho. Cheiro intenso a lixívia. Primeiro estranha-se, depois entranha-se.
Ao jantar, o ritual repete-se. Com uma agravante: os jantares, que deveriam terminar pelas 22:30 horas, estendem-se para lá da meia-noite. Jantámos com o “staff” à 1:30 horas. Bitoques para todos. Mais limpezas e preparação das mesas. Feitas as contas, 5 horas mal dormidas até à jornada do dia seguinte.
O SEGUNDO DIA
O paracetamol é incluído no pequeno-almoço. As pernas e a lombar acusam a correria desenfreada do dia anterior. Apresentamo-nos ao serviço pelas 10:00 horas. Da ementa saltam à vista os rojões à minhota e os jaquinzinhos fritos com arroz de tomate. Começamos na cozinha, a descascar batatas (para não variar). Inteiras, para acompanhamento dos rojões.
Decorre a habitual reunião “motivacional” com o “staff”. Seguimos com a preparação dos ingredientes para a sangria. Novas tarefas: confirmar o stock da garrafeira (“não podem faltar os tintos de preço médio, vejam se ainda há alentejanos em quantidade suficiente, atenção ao Monte Velho”) e atender telefonemas. Há quem faça pedidos para take-away e há quem tente ainda fazer reserva.
As tarefas repetem-se neste segundo dia. Tornamos a almoçar e a jantar a horas impróprias. As pernas a darem de si e as horas a passarem lentamente. O serviço de mesas é doloroso, pois implica maratonas entre a sala de refeições, a cozinha e a área de apoio onde as bebidas são disponibilizadas, gerir o tempo que vai desde o pedido até à entrega do prato confecionado.
Este é também um trabalho de gestão de sensibilidades. Mesmo tratando-se de clientela que frequenta o restaurante com assiduidade, há quem considere, por exemplo, que 10 minutos de espera por um prato elaborado na hora é demasiado tempo. Assim como há quem nos agradeça vezes sem fim, à medida que o serviço é prestado, e no final nos compense com sorrisos e elogios. Este é, porventura, o melhor analgésico para as dores cravadas no corpo. As gorjetas são igualmente bem-vindas e são partilhadas entre todos os funcionários.
O ESSENCIAL DO QUE VIMOS (E APRENDEMOS)
Ementa reduzida: a aposta recai em pratos (de cozinha tradicional portuguesa, neste caso) que vão ao encontro da preferência do maior número possível de clientes. O restaurante onde estivemos tem apenas dois pratos do dia, para além de outras opções mais flexíveis e variadas (grelhados). A cozinha está assim mais focada na qualidade dos pratos a confecionar, além de se reduzirem custos na aquisição de outros alimentos ou ingredientes (minimizam-se os desperdícios e o risco de produtos fora do prazo de validade).
Todos a par e passo: rentabilizar, tanto quanto possível, a marcação das reservas. Casa cheia significa maiores margens de lucro. Mas, para isso, é preciso que haja – como várias vezes referiu o gerente – “sincronia entre quem serve à mesa e quem está na cozinha”. O atraso num serviço significa atrasos nos serviços seguintes.
Cada cliente é único: não por acaso, e além de rapidez, foi-nos solicitada doses generosas de “simpatia”. Um gesto tão simples, como perguntar a meio da refeição se “está tudo bem”, demonstra preocupação e ajuda a “fidelizar o cliente”. Palavras do dono da casa.
Limpeza que se vê: foi um dos fatores que mais nos marcou. Como observado, as mesas de refeições são realmente limpas (mesmo entre as mudanças de reservas). Assim como as casas de banho, com rondas frequentes para certificar que nunca faltam toalhas de papel e detergente para as mãos. A fragrância a baunilha (proporcionada por um ambientador com descarga automática) também faz toda a diferença.
Equipa motivada: nunca assistimos a faltas de respeito entre os elementos do “staff” ou a desconsiderações por parte do gerente. Às refeições, há sempre o hábito de se trocarem impressões sobre os serviços prestados. As eventuais dificuldades são colocadas sobre a mesa e apresentadas as soluções possíveis. Num desses momentos, um funcionário frisou ser difícil acumular o serviço de mesas com o atendimento ao take-away. Solução: tentar concentrar mais os pedidos de take-away dentro de um determinado horário e, durante esse tempo, colocar uma pessoa em exclusivo n11 desempenho da tarefa.
Adenda: por uma questão de sigilo, não é divulgado no nome do estabelecimento comercial. As partes envolvidas acordaram que o trabalho seria de apenas 2 dias (fim-de-semana), em regime de prestação de serviços. Quem nos acolheu foi informado, após o término da experiência, que a mesma serviria para efeitos da realização de uma reportagem, sem que tivesse sido colocada qualquer objeção.
Jornalista