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Quinta-feira, Dezembro 5, 2024

Do Bando para o Regimento

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Recentemente, na Universidade Europa e numa acção de formação política promovida pelo PSD, o Ministro da Defesa, Nuno Melo, sustentou que o serviço militar pode constituir uma boa alternativa à perda de liberdade quanto a jovens agentes da prática de crimes de pouco relevo.

A comunicação social divulgou amplamente e a erisipela depressa começou a manifestar-se em várias partes do país.

Ideia nova, a do ministro, esta de uma ponte entre delinquência juvenil e serviço militar? Nem por isso. Mera aparência. Antes velha, poeirenta e cheia de teias de aranha.
A incorporação no exército ou na armada era encarada como o melhor meio de transição para a vida em liberdade para jovens internados em casa de detenção e correcção ou em colónia agrícola, os primeiros estabelecimentos penais criados em Portugal, antes da República, para menores delinquentes, com vista a retirá-los da mistura com adultos nas prisões comuns.

Este entendimento não se alterou com a implantação da República e com a primeira Lei portuguesa de Protecção da Infância (1911) que criou os primeiros tribunais para menores, as Tutorias da Infância. Excepcionalmente, permitia-se que o jovem fosse desligado antes da maioridade (21 anos) de uma escola de reforma ou de uma casa de correcção (instituições correccionais criadas por aquela Lei) se se alistasse ou se fosse incorporado no exército ou na armada.

Não há que estranhar: a dura e rígida disciplina interna durante o longo internamento em tais instituições de má memória era decalcada em muitos aspectos na vida de quartel, pelo que constituíam deliberadamente alfobres de criação de futuros soldados.

Isso não se alterou na generalidade desde 1925, com a grande reforma nas instituições da Justiça para menores delinquentes, até 1962, mas ganhou novos contornos. Relativamente a internados em reformatórios ou colónias correcionais, o alistamento no exército e na armada dependia de decisão do tribunal (a Tutoria), quer para autorizar pedido do jovem nesse sentido, quer para o impor como medida disciplinar a maiores de 16 anos. Além disso, a incorporação coerciva podia ainda ser imposta a jovens com mais de 18 anos que tivessem completado 6 anos de internamento em reformatório ou colónia correcional, seguidos de, ou interpolados com, liberdade condicional.

Estamos, porém, e avançados noutro século. Ao contrário do entendimento do Ministro da Defesa, há agora muitas alternativas educativas à institucionalização de jovens delinquentes.

O internamento de um jovem agente de facto considerado crime é a medida mais grave que o tribunal pode determinar e apenas (ultima ratio) no caso de nenhuma das muitas outras previstas na Lei Tutelar Educativa se afigurar adequada a suprir as suas necessidades específicas de educação para os valores tutelados pelo Direito Penal, manifestadas na prática do acto.

Ou seja, nenhum tribunal com bom senso e sentido de justiça recorre já (como outrora) ao internamento como solução para casos pouco graves de delinquência juvenil.

Por outro lado, mesmo os centros educativos, onde tem lugar esse internamento, já nada têm a ver, felizmente, com as instituições da Justiça para jovens delinquentes dos séculos 19 e 20, ou seja, na expressão do Ministro, «sem nenhuma condição» e, consequentemente, só como «escola de crime». São instituições de pequena dimensão, com reduzida lotação, justamente para lograr melhor acompanhamento e aplicação dos programas de formação dos jovens internados em que se investiu nos últimos anos. Pese embora algumas dificuldades aqui e além, os centros educativos constituem em si mesmos, realmente, uma «oportunidade de um exercício de formação, de autoridade, de valores», para usar as expressões do Ministro da Defesa, na sua defesa do serviço militar como instituição alternativa.

A hipótese colocada pelo governante aparece assim, deslocada no tempo, como ideia bem mais inspirada pelo desespero que a falta de atracção dos jovens pelo serviço militar está a suscitar do que por desígnios generosos e desinteressados em prol da reinserção social de jovens delinquentes.

Quanto às erupções que esta hipótese tem suscitado na opinião pública, ocorre-me fatalmente Camilo Castelo Branco nas suas Memórias do Cárcere (INCM):
«Contaram-me que, nas enxovias, alguns maiorais davam preleções e cursos regulares de engenhosas ladroeiras. Dos discípulos alguns primavam tanto em agudeza e fina compreensão, que não era raro ser o mestre roubado, enquanto prelecionava. Daquela escola saiu, há meses, uma leva de grumetes para a marinha de guerra portuguesa. Não nos parece coisa dura de tragar, se um dia a imprensa nos disser que eles meteram a marinha portuguesa na algibeira: tão pequena é ela, ou tão grandemente astuciosos eles são».





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