A matéria de que somos feitos é a mesma que tentamos destruir. Em cada ação, carregamos um reflexo profundo e sombrio do que estamos a fazer ao mundo. Como disse T. S. Eliot, “este é o modo como o mundo termina, não com uma explosão, mas com um gemido.” No entanto, o mundo não termina; ele é progressivamente consumido pelas catástrofes que nós próprios provocamos. Os fogos devastam as florestas, os oceanos sobem, o gelo derrete, os ditadores emergem. Estamos a assistir à lenta agonia de um planeta que nos deu tudo. E o gemido de Eliot é ecoado pelo rugido das tempestades, pelo rasgar dos ventos furiosos que expressam o que tentamos ignorar: que a Terra sofre às nossas mãos.
Em cada guerra, em cada conflito, vemos uma parte de nós mesmos destruída. As fronteiras tornam-se trincheiras, as palavras transformam-se em armas, e o inimigo é o próprio espelho onde recusamos ver a nossa imagem. Albert Einstein disse uma vez: “não sei com que armas será lutada a terceira guerra mundial, mas a quarta será lutada com paus e pedras.” A previsão deste cientista torna-se um aviso assombroso do ciclo autodestrutivo que seguimos. A nossa tecnologia, o nosso poder, transformaram-se em ferramentas de destruição. Construímos arranha-céus, mandamos sondas a Marte, mas não conseguimos construir paz; criámos uma sociedade complexa, mas esquecemo-nos de simplificar os valores que nos fazem verdadeiramente humanos.
E no centro deste labirinto de destruição jaz a pobreza, o rosto mais cru da decadência humana. A pobreza é o espelho da nossa falência moral. Gandhi lembrou-nos que “a Terra provê o suficiente para todos, mas não o suficiente para a ganância de alguns.” É uma vergonha coletiva que deveria despertar em nós a responsabilidade, mas que, ironicamente, tentamos apagar da vista. A nossa cegueira perante o sofrimento alheio é um reflexo daquilo que perdemos como sociedade: compaixão, solidariedade, dignidade. Onde está a humanidade que dizíamos possuir? As crianças, de olhos fundos e estômagos vazios, são como espelhos da nossa impotência. A pobreza é a nossa vergonha coletiva, um grito mudo da nossa falência moral. Somos feitos da mesma matéria que recusamos partilhar, que negamos ao outro, que ignoramos e condenamos.
A miséria surge, então, como um fantasma que assombra vidas, sonhos, futuros. Não é apenas a falta de pão ou abrigo; é a ausência de esperança, é o vazio de quem se perde num mundo que ignora o seu sofrimento. A miséria humana é a mais triste das realidades, claramente! E essa miséria multiplica-se, invisível aos que escolheram virar-lhe as costas. No paradoxo de um mundo abundante, milhões vivem em escassez. E a cada rosto esquecido, a cada vida que deixamos de resgatar, selamos mais um sintoma de uma humanidade em decadência.
Os sintomas da nossa degradação espalham-se por todos os aspetos da vida moderna. Fechamo-nos em ecrãs, desligamo-nos uns dos outros, esquecemos o toque humano, a presença física, a atenção e o cuidar. Isaac Asimov avisou: “a violência é o último refúgio do incompetente.” E essa violência, mesmo que seja uma indiferença silenciosa, é o reflexo de uma sociedade que, ao ignorar o outro, ignora a sua própria essência. Estamos saturados de informação e desprovidos de sabedoria, conectados por redes, mas isolados de afeto, de apreço por nós mesmos e pelos outros.
A matéria que destrói a Terra é a mesma que destrói o homem. Somos feitos de carne, ossos, sonhos e medos, mas também de ambição, de egoísmo e de ganância. Se não conseguirmos resgatar o respeito pelo que nos rodeia, seremos apenas sombras, fragmentos de uma humanidade que se perdeu nas suas próprias criações. Teremos ainda a capacidade de olhar para o mundo, de ver a nossa própria fragilidade e de interromper o ciclo de destruição?
Resta saber se teremos a coragem de interromper este ciclo, de resgatar a humanidade de si mesma e devolver ao mundo o respeito e o amor que ele nos confiou desde o princípio.
A resposta não está apenas nas palavras, mas nas escolhas que ainda podemos fazer, se tivermos coragem para interromper esta lamentável decadência. Talvez ainda haja tempo para redescobrir a humanidade que habita em nós e resgatar o mundo do seu próprio gemido final.
P.S. Desculpem-me os leitores por esta crónica amarga e rasgada ante o anúncio da vitória do 47º Presidente dos EUA.
Professor, Poeta e Formador