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Segunda-feira, Março 17, 2025

Desfolhada do Resto – Por Marta Filipa Silva

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Marta Filipa Silva
Marta Filipa Silva
Enfermeira/ Secretária da Assembleia Geral do Rancho Folclórico Divino Salvador

A desfolhada do milho é uma tradição que já perdeu alguns rituais de outrora, fruto das investidas do progresso, mas que ainda permanece bem viva no quotidiano de algumas aldeias e vilas. A desfolhada tradicional é um duro trabalho agrícola em que se retira a espiga da planta.

A cultura do milho era muito importante em Portugal, onde ocupava grandes áreas férteis do território nacional. Na década de 1920, chegaram a ser quase 400 mil hectares de cultura do milho. Apesar de fazer em muito menos quantidade que noutros tempos, continua a ser cultivado na região do Grande Porto. Esta planta gosta muito de calor e água.

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Foto de Joaquim Marques

Entre os meses de março e maio, fazia-se a sementeira, utilizando um “semeador” puxado por animais ou em alguns casos era mesmo pelas pessoas. Umas semanas depois, com o milho já bem desenvolvido, procedia-se à “sacha”, para aliviar a pressão da terra sobre a planta e retiravam-se ervas daninhas.

Se o milho estivesse particularmente “basto”, fazia-se o desbaste ou, como dizia a minha avó “monda”. A “monda” consiste em tirar um pé de milho mais fraco, que esteja junto com outro, para que aquele que se mostra mais forte se possa desenvolver melhor. Em Junho, começam as regas, antes do milho “embandeirar”, iniciava-se a rega, para fortalecer as plantas e alimentar o seu crescimento. No final do verão, cortavam-se as “bandeiras”, que para além de proporcionar um melhor amadurecimento do milho, eram ótimos para o alimento do gado.

No passado, tal como agora, o tempo tinha sempre a última palavra e era o clima quem determinava todo o processo da colheita e umas vezes, já em setembro, iniciavam-se as colheitas, outras um pouco mais tarde, no início de outubro e podiam prologar-se até novembro.

As “desfolhadas” ou “escapeladas”, consistiam em tirar as “escapelas” ou “folhelhos” às espigas, depois, uma a uma elas  amontoam-se sobre as gigas, as gigas cheias são esvaziadas no espigueiro, guardando-se para secar durante todo o inverno.

À luz das candeias faziam-se grandes desfolhadas, dançava-se e cantava-se, ao som da concertina. Os locais da realização das desfolhadas eram as eiras ou, por vezes, telheiros, anexos, ou ainda dentro de celeiros ou adegas, visto que a época própria era alturas em que as noites, por vezes, já eram frias (este trabalho era noturno, aos serões).

Antigamente, marcava-se o dia da desfolhada com os vizinhos, a família e os amigos. Durante o dia, juntavam – se os lavradores e cortavam o milho com uma foice. De dia, o milho é retirado dos campos e transportado, em gigas, para a eira ou a casa do lavrador. À noite, juntam-se os amigos, os vizinhos e os familiares para se ajudarem uns aos outros como forma de troca de trabalho, pela noite dentro, vão contando histórias e as crianças brincando.

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Foto de Joaquim Marques

Os jovens participavam sempre animados nas desfolhadas, pois tinham a esperança de encontrar o milho rei (espiga vermelha) para poderem dar um beijo ou um abraço à namorada. Quem achava o milho rei gritava bem alto: Milho rei! – e depois tinha de dar uma volta a todos os trabalhadores, distribuindo abraços. Antigamente, esta era uma oportunidade única que os rapazes tinham para se aproximar fisicamente das raparigas, das namoradas, até das noivas , devido às convenções sociais da época e à vigilância apertada por parte dos pais.

Também que não havia desfolhada sem Serandeiro. Escondido por trás do seu manto e pelo silêncio com que se envolve, faz-se anunciar pelo seu capuz e cajado. Ninguém sabia quem ele era. Diz-se que era alguém que aproveitava o pretexto da desfolhada e do disfarce para conseguir falar com a sua amada ou era o pai de uma das raparigas para a poder vigiar. Personagem muito característica das desfolhadas por todo o país, chegando a ter cantigas a si dedicadas, cantadas pelas raparigas durante esses serões.

A desfolhada terminava sempre com comes-e-bebes ao som de algumas canções populares e bailarico. Apesar do cansaço, as desfolhadas eram sempre motivo de grandes satisfações e alegrias para aqueles que nelas participavam. Não faltavam os petiscos gastronómicos, como a regueifa doce, as azeitonas e o vinho, que acalentava a alma de todos os que ajudassem, como forma de agradecimento e de convívio. São estes belos e pequenos momentos, entre muitos outros, que tornam a vida repleta de alegria. Fazem-nos perceber como os nossos antepassados, em tempos de trabalhos árduos e de fome, eram tão alegres e não desanimavam perante os trabalhos duros.

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