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Quinta-feira, Novembro 7, 2024

Cultura Avieira – um património que se está afundar nas margens do rio Tejo

Oriundos de Vieira da Nazaré e de algumas praias de Mira, os chamados "Avieiros" imigraram para as margens do rio Tejo em pleno salazarismo, para fugir aos Invernos cruéis onde o mar dizimava dezenas de homens e tingia de preto a maioria das famílias que viviam da pesca. Na Lezíria Ribatejana e nas margens do rio Tejo, essas famílias podiam continuar ligados à faina da pesca no maior rio ibérico, mas também tinham a chance de trabalhar na agricultura, onde abundava imensas oportunidades de trabalho.

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Quando em 1942, o escritor neorrealista Alves Redol escreveu o romance lírico “Avieiros”, apelidava-o de um “lirismo doloroso e concreto”. “Documento e sonho vazados na matriz irregular de uma consciência, há nele um gosto fundo, autêntico e viril, de semear na companhia do povo um país de homens livres. Mas um lirismo rigoroso, digamos, sem romantismos fáceis, um pouco como os versos líricos que também moram nas tábuas de logaritmos ou nos foguetões interplanetários”, sublinhou sem rodeios Alves Redol.

Oriundos de Vieira da Nazaré e de algumas praias de Mira, os chamados “Avieiros” imigraram para as margens do rio Tejo em pleno salazarismo, para fugir aos Invernos cruéis onde o mar dizimava dezenas de homens e tingia de preto a maioria das famílias que viviam da pesca.

Na Lezíria Ribatejana e nas margens do rio Tejo, essas famílias podiam continuar ligados à faina da pesca no maior rio ibérico, mas também tinham a chance de trabalhar na agricultura, onde abundava imensas oportunidades de trabalho.

Entre 1940 e 1980 as aldeias avieiras abundavam nas margens do rio Tejo, desde Vila Velha de Ródão até Vila Franca de Xira. Mas a nos finais do século XX muitas dessas aldeias foram ficando abandonadas.

José Alexandrão, com 75 anos, um camponês da Chamusca que conviveu de perto como muitos pescadores avieiros na aldeia do Patacão, recorda com nostalgia a “O Cidadão” como eram esses tempos: “Nessa altura os pescadores que viviam nas casinhas de madeira na aldeia do Patacão (Alpiarça) davam vida ao rio Tejo e às vilas. Nós tínhamos uma vivência muito boa com os pescadores. Mas também era engraçado ver as varinas virem aos mercados vender os peixes do rio”.

“Houve tempos em que a maioria das tabernas que existiam no Ribatejo e estavam chegadas ao rio, puxavam a clientela porque vendiam peixe frito que os pescadores apanhavam. Nos mercados as pessoas compravam enguias, barbos, sabogas e fataça para cozinharem em casa. Tudo isso acabou. É uma tristeza!”, esclarece o nosso interlocutor.

Mas há uma verdade que Alexandrão faz questão de sublinhar. “Mas mais triste ainda é chegar à aldeia do Patacão que em tempos tinha vida e alegria, mas agora as casas de madeira foram engolidas pelas silvas e está tudo ao abandono. Isto é uma tristeza muito grande”.

Os ciganos do Tejo como lhes chamava Redol

Alves Redol reconhece que não foi nada fácil entranhar-se nas aldeias avieiras. Isto porque os pescadores oriundos de Vieira de Leiria e outras paragens encostadas ao Atlântico, eram pessoas pouco faladoras e não estavam acostumadas a grandes convívios.

Por essa razão mesmo é que Redol os apelidava de “ciganos do Tejo”. Muitos deles nem casa tinham. Viviam dentro das próprias embarcações que construíam. Autênticas obras de arte feitas de madeira e com mestria.

BARCO
É importante preservar algumas aldeias avieiras na margem do rio Tejo Foto: José Peixe

A Aldeia das Caneiras (Santarém) que em tempos chegou a ter vários restaurantes com gastronomia feita pelos próprios pescadores, neste momento está praticamente às moscas. E António Junco explica-nos porquê: “A crise agravou muito a qualidade de vida de todos aqueles que ganhavam a vida da pesca do Tejo. Como houve anos em que as águas do rio estavam um pouco poluídas e como as novas gerações viraram as costas ao Tejo, tudo se foi afundando. As tabernas e os restaurantes fecharam e muitas das embarcações foram abandonadas ao ponto de se afundarem no próprio lodo”.

“Dê-se ao trabalho de um destes dias tirar uns dias para ir fotografando as aldeias dos pescadores nas margens do rio Tejo e vai ver a tristeza que é. Existem muitas bateiras e caçadeiras (embarcações avieiras) no fundo rio. E as casas de madeira que caracterizavam esta cultura de pescadores vai-se desaparecendo completamente”, afirmou António.

A aldeia dos Cucos, na margem esquerda do rio, em Benfica do Ribatejo que em tempos chegou a albergar algumas famílias desapareceu do mapa. “Aposto que a maioria das pessoas de Benfica do Ribatejo nem sequer sabem que houve uma aldeia de pescadores avieiros”, afiança-nos Fernando, que tem um restaurante a funcionar e também nos dá a garantia que as enguias que vende ainda são oriundas do Tejo.

“Felizmente ainda mantenho conhecimento com alguns pescadores que conhecem bem o rio Tejo e que se dedicam à pesca depois de sair das outras profissões que têm. E isso permite que eu venda enguias do Tejo e outros peixes do rio que os clientes queiram, como é o caso de uma boa açorda de sável quando é a época. A maioria dos restaurantes que vendem e apregoam enguias, compram-nas no estrangeiro e não têm a mesma qualidade!”, garante-nos o Fernando.

As autarquias ribeirinhas devem preservar a cultura avieira

Deixando o concelho de Almeirim e entrando em Salvaterra de Magos, a primeira aldeia avieira que nos surge é Porto de Sabugueiro. Também ela na margem esquerda do rio Tejo. As famílias que ali moram em casas de alvenaria olham-nos de soslaio e com desconfiança. Existem algumas embarcações avieiras, mas outras que não têm nada a ver com esta cultura. Todos se furtaram a prestar declarações.

Um pouco mais abaixo e passando a ponte D. Amélia, já no concelho do Cartaxo, Porto de Muge e Valada do Ribatejo, são duas povoações que outrora fixaram algumas famílias avieiras. Agora nem vê-las.

Prevalece o Turismo ligado ao Tejo e bem. Quanto aos antigos restaurantes e tabernas que primavam pela gastronomia muitos deles desapareceram do mapa. É de uma agonia brutal.

Na margem esquerda e voltando a Salvaterra de Magos. A aldeia do Escaroupim é na realidade um grande polo da cultura avieira. Inclusive é ali que se encontra uma casa museu avieira e no cais da Vala na vila de Salvaterra, também se pode aprofundar os conhecimentos sobre esta cultura.

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O Tejo, maior rio ibérico continua a atrair muitos turistas nacionais e estrangeiros Foto: José Peixe

“No Escaroupim a pesca que se pratica actualmente não tem nada a ver com a de outros tempos. E tudo o que aqui temos é virado para o Turismo. Vamos ver até que ponto este turismo vai continuar! Vivo aqui desde que nasci, mas estou apreensivo quando ao futuro da cultura avieira. Os barcos de madeira começam a ser cada vez menos e já não existem mestres como antigamente. E muitas pessoas às vezes comem enguias aqui e em Salvaterra que nem sequer são pescadas nas valas nem no rio como era antigamente”, disse à nossa reportagem um habitante que nos conhece bem e pediu para não ser identificado.

No concelho da Azambuja (margem direita do Tejo!) existem mais duas aldeias avieiras: a Palhota, onde o escritor Alves Redol passou muito tempo a escrever o seu romance “Avieiros” e o Porto da Palha. Ambas estão descaracterizadas e não encontramos viva alma que nos quisesse falar do tema.  Enfim… São os tempos que vivemos.

No concelho de Benavente, os avieiros fixaram-se no rio Sorraia, especialmente na Aldeia do Peixe. E neste momento apenas existem duas embarcações a boiar por entre uma praga de jacintos que está prestes a tapar o rio. Mas desde que faleceu o mestre Pelarigo que a faina da pesca avieira desapareceu.

No Porto Alto, ainda vive uma dezena de famílias que se dedica à pesca no rio Sorraia, uma vez que a restauração ainda mantém acesa as caldeiradas de enguias e peixe do rio. Vila Franca de Xira continuará a ser o baluarte da cultura avieira. Só é pena que a maioria dos barcos utilizados na pesca já não sejam de madeira.

Uma coisa é certa, as autarquias ribeirinhas que se identificarem com a cultura avieira, devem salvaguardar esta Património Imaterial da Humanidade, com unhas, garras e muita determinação.

 

 

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