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Sexta-feira, Fevereiro 7, 2025

Crónica do Agradecimento – Por José Paulo Santos

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José Paulo Santos
José Paulo Santos
Professor, Poeta e Formador
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Foto de ANDREJ COOK

Dou-me hoje conta, aos 55 anos, do quanto devemos ser gratos pela aventura de viver. Cada dia traz consigo a oportunidade de nascer de novo, de crescer, de amadurecer, de nos tornarmos mais fortes e, paradoxalmente, mais vulneráveis. É tempo de agradecer.

Agradecer a quem nos deu vida, quem nos embalou nos primeiros instantes, quem nos ensinou a pronunciar a primeira palavra, a dar o primeiro passo. A cada um dos nossos professores, que não apenas partilharam conhecimento, mas também nos abriram janelas para outros mundos. Ensinaram-nos, acima de tudo, a sermos humanos melhores.
Se pensarmos bem, profundamente, percebemos que muitas pessoas se cruzaram connosco em momentos precisos, deixando pedaços de si, impulsionando-nos a crescer, a evoluir. Foi assim que aprendemos que o amor, o respeito e a compaixão são as maiores lições que levamos da vida.

Hoje, na maturidade, por resiliência e por necessidade, renovo o desejo de aprender. Começar tudo de novo, se for preciso: um novo trabalho, um novo lar, uma nova paixão que nos aqueça a alma. A vida, com as suas curvas imprevisíveis, desafia-nos a seguir o caminho ascético, o caminho de quem quer entender o sentido do que vivemos.
O que é a vida, afinal? Sofrimento, dor, perda, medo? Ou será também coragem, alegria, capacidade de escuta e de acolhimento? Cada segundo conta e aprendemos que a luta é inevitável, mas também cheia de significado. Como escreveu Espinosa: “A paz não é ausência de guerra; é uma virtude, um estado de espírito, uma disposição para a benevolência, confiança e justiça.”

Estar vivo é um privilégio, mesmo quando o peso da existência parece esmagador. E nós sabemos que estamos agora na curva descendente do percurso. Ainda assim, nunca foi tão claro o valor de olhar à nossa volta, de cuidar de quem está mais próximo, de quem nos escolheu ou de quem escolhemos para partilhar esta jornada.

Em momentos de reflexão, como o de agora, faz-se essencial acolher tanto a solidão como a companhia. Saber estar consigo mesmo é aprender a apreciar a vida em toda a sua simplicidade. Como disse Fernando Pessoa: “Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes.”

É também tempo de agradecer àqueles que, mesmo à distância, nos tocaram a alma com as suas palavras e ideias. Como bem apontou Montaigne: “A maior coisa do mundo é saber ser suficiente para si mesmo.” Que saibamos deixar espaço em nós para acolher a graça da vida, da partilha e do amor.

Hoje, escrevo para agradecer. Para lembrar que a nossa condição humana é feita de laços invisíveis, que nos conectam uns aos outros e às experiências que nos moldam. Que possamos continuar a lutar, a amar, a aprender, sempre com o coração aberto à próxima descoberta.
E são as pequenas coisas que, por vezes invisíveis, enchem os nossos dias de sentido. Como o sorriso de uma criança desconhecida numa rua qualquer, que nos relembra a pureza da vida. Ou o aroma do café acabado de fazer numa manhã fria, que nos devolve a sensação de conforto e familiaridade. Há um milagre em cada detalhe que passa despercebido quando vivemos apressados.

Penso no brilho das folhas depois de uma chuva breve, no som do vento entre as árvores, ou na luz dourada de um entardecer de outono. Tudo isto é efémero, mas é exatamente essa fragilidade que lhes dá valor. Saber parar para observar e sentir é um ato de amor pela vida e por nós mesmos.

E depois há os momentos inesperados: o reencontro com um amigo antigo, a carta, o livro, o postal que chega pelo correio, a palavra certa no momento certo. Esses instantes têm o poder de nos relembrar que, mesmo nas maiores dificuldades, existe beleza e conexão, como um fio invisível que nos une ao mundo.

Não posso deixar de enaltecer o toque, o abraço, o olhar de quem nos ama. É nesses gestos simples, mas repletos de significado, que encontramos a força para continuar. O momento antes de adormecer, quando partilhamos um último beijo ou abraço, e o acordar ao lado de quem amamos, com a luz da manhã a revelar um novo dia juntos, são gestos de infinita doçura que preenchem a alma.

São esses instantes, tão simples e fugazes, que nos recordam o privilégio de sermos humanos. Ao contrário da inteligência artificial, que nunca poderá compreender a beleza e a complexidade dos sentimentos humanos, nós somos feitos de memórias, emoções e ligações que desafiam qualquer lógica programada. Como é belo, e ao mesmo tempo misterioso, o dom de viver, de sentir, de amar.

A inteligência artificial pode calcular, simular, até mesmo criar, mas nunca terá a capacidade de se maravilhar com o calor de um abraço ou o brilho de um sorriso inesperado. Que privilégio é, afinal, sermos humanos, com toda a nossa fragilidade e profundidade. Que saibamos honrar essa dádiva com gratidão, coragem e amor.

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