O desejado telefonema chegou. Seria submetida a intervenção cirúrgica daí a cinco dias, no Hospital de Santo António, no Porto. Por telefone, a médica explicou-lhe todos os procedimentos para a operação. O jejum, a paragem na toma da medicação diária. E a hora: dez da manhã da passada quarta-feira.
Como pessoa informada que é, questionou a cirurgiã sobre greves. Nada estava agendado, mas se viesse a haver, informariam previamente, para evitar a deslocação.
Ficou, mais ou menos, tranquila. Só teria de preocupar-se com a ida. E já não era pouco. Até porque vive sozinha, fora da cidade do Porto e tem dificuldade de locomoção. Lá teria, outra vez, de pedir à vizinha que a acompanhasse. Situação sempre confrangedora. Ter de depender “dos outros” é doloroso. Psicologicamente desgastante.
Preparou o saco das roupas. Iria passar três ou quatro dias internada. E, de táxi, na companhia da amiga e das inseparáveis canadianas, partiu. Aliviada e receosa, pois as operações não são propriamente um duche escocês.
No “Santo António”, dirigiu-se ao piso seis. E, aqui, o alívio deu lugar ao pesadelo. No “guichet” é informada de que não haveria cirurgia, porque os médicos estavam de greve. Imaginem o que pensou, disse e sofreu. E como se sentiu desrespeitada!
Regressou a casa. Com as mesmas dificuldades com que havia partido. Mas mais fragilizada ainda,
A minha matriz ideológica, avessa a qualquer ditadura, jamais iria pôr em causa o Direito à Greve. Nem esquecer a luta em finais do século XIX e na Revolução Industrial, por parte dos assalariados – muitas mulheres –na defesa desse direito. E as dificuldades para que fosse implementado nos países liberais.
Mas também não posso aceitar que os CIDADÃOS sejam tratados como foi a senhora, cuja história relatei. Um país decente não procede assim. Não pode! A democracia não é isto. E a greve não é isto!
Criar mossa no capital, na entidade patronal, pressioná-la, para obter direitos básicos de sobrevivência digna. Foi esse movimento sociológico que inventou a paralisação do trabalho. Que os sindicatos abraçaram de imediato.
Prejudicar o patrão – no caso que cito, o Estado – pode passar por muitas vias. É preciso coragem, infelizmente a rarear, mas os que estão mais bem instalados na vida –acham que devem ganhar mais dinheiro, e é justo, nem discuto – já pensaram em fazer greve aos impostos? Professores, juízes, médicos, enfermeiros e outros. Com os seus sindicatos a reivindicarem direitos e ameaçando o governo – se não houver diálogo, durante um ano não pagamos impostos!
Mas é muito mais fácil carregar, desrespeitar, prejudicar os mais pobres, mais débeis e que nunca são os ouvidos nestas problemáticas. E não têm quem os ouça!
Que raio de serviços administrativos e clínicos têm o dislate de adiar uma intervenção cirúrgica sem avisar a utente? Onde estão os responsáveis pelo Serviço Nacional de Saúde? Quem assume responsabilidades? E os sindicatos?
A senhora em causa vive com uma reforma mínima, teve de pagar o táxi e passou pelo constrangimento de pedir a terceiros que a acompanhassem.
Não é com esta falta de respeito que se defende a democracia e o direito à greve. Nem o Estado de Direito. Muito menos o SNS.
Sei que há pouco incentivo à Cidadania. Há interesses superiores para que as pessoas “comam e calem”. Nós não nos vamos calar. E convidamos TODOS os cidadãos a denunciarem nas nossas páginas os atropelos de que sejam vítimas nesta sociedade manifestamente desequilibrada.
O Povo já não é quem mais ordena. Mas tem de EXIGIR respeito!
Jornalista