A conceção individualista do ser humano ignora que é através da socialização e dos seus laços de pertença comunitária que as pessoas adquirem a sua identidade e que os indivíduos não existem enquanto tal, ou pelo menos não podemos dar sentido à sua existência autónoma se não os encararmos no seio das suas relações e interações sociais e culturais.
A ideia do homem enquanto indivíduo isolado da sociedade constitui mera abstração, sem correspondência à realidade humana concreta – como defendem, de resto, os pensadores denominados “comunitaristas”. É deste facto que decorre a noção jurídica de “cidadania”, com o conjunto de direitos e de deveres que a ela estão associados.
Pode, pois, afirmar-se que “o homem não é meramente um ser individual, é ao mesmo tempo um ser social”. Ora, a sociedade é o solo sobre o qual “cresce” a cultura e toda a cultura é a realização de valores.
Porém, as sociedades não são entidades estáticas. Como tal, a evolução e o progresso não são exclusivos das Ciências Naturais. Também no domínio do social, do humano, do cultural e dos valores se verificam mudanças e se operam progressos. É neste pressuposto que se podem enquadrar exemplos como a abolição da escravatura ou a atribuição do direito de voto às mulheres.
A atribuição do voto ao homem e a insultuosa e humilhante recusa desse direito à mulher encontrava o seu fundamento numa sociedade patriarcal, centrada essencialmente na figura do marido e do pai. Uma tal sociedade preconizava a subalternização dos interesses das mulheres casadas aos dos maridos, assim como a subalternização dos interesses das mulheres solteiras aos dos seus pais.
Esta subalternização fazia-se acompanhar da ideia de convergência dos interesses das mulheres em relação aos dos maridos e dos pais. Por isso, as mulheres não precisavam de votar, porque os interesses das mulheres casadas eram iguais aos dos seus maridos, e os interesses das mulheres solteiras eram iguais aos dos seus pais.
Anedota? Não. Verdade. Foi uma aquisição caída do céu? Não, foi uma conquista para a qual foi necessário lutar. Foi há muito tempo? Não. Foi ontem. De ontem para hoje ocorreu algum progresso nos domínios do social, do cultural, do humano e dos valores. Hoje, o sufrágio universal é uma forma de exprimir a ideia de que acreditamos que às mulheres, tanto quanto aos homens, é devido respeito enquanto cidadãs.