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Sábado, Setembro 7, 2024

Associação Ânimas cede cães de assistência de forma gratuita

Um cão de assistência pode até localizar uma caixa multibanco, mas não consegue inserir o cartão, digitar o código e tirar a quantia desejada; também não consegue acertar nos números do euromilhões.

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Maria Paulo
Maria Paulo
Jornalista free-lancer

Há uma associação que “cede” gratuitamente cães treinados para apoiarem pessoas com qualquer incapacidade devidamente comprovada. Vinte e dois anos volvidos sobre a constituição da Ânimas, os resultados são muito positivos: 55 cães entregues, 112 duplas de IAA (Intervenções Assistidas por Animais) certificadas, seis projectos e investigações em desenvolvimento.

Numa conversa com Abílio Leite, instrutor e presidente da direcção da Ânimas, O Cidadão ficou a saber quase tudo sobre esta associação que surgiu na sequência do interesse pelos benefícios relativos à utilização de animais em situações, quer clínicas quer de ajuda social, bem como esta nobre missão de promover o apoio à integração social e profissional de pessoas com diversidade funcional com a ajuda de Cães de Assistência, assim como a inclusão social e o envolvimento, através de iniciativas destinadas a públicos com necessidades especiais.

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Foto de ÂNIMAS

Como, quando e porquê surge a Ânimas?

A Ânimas surgiu em 2002, por iniciativa de um conjunto de pessoas, muitos professores universitários, convictos da mais-valia que o cão tem junto das pessoas e a forma como pode ajudar as pessoas a superar as pequenas dificuldades que têm no dia-a-dia.
A nossa associação tem como missão de vida ceder, gratuitamente, cães de assistência (cães de serviço e cães para surdos) a pessoas que tenham qualquer incapacidade, comprovada por um atestado multiusos de incapacidade; desenvolvemos projectos e programas de serviços e intervenções assistidas por animais, destacando-se o serviço exercido nas pediatrias hospitalares em diversas unidades do pais; realizamos acções de formação, designadamente para duplas de 400 horas e/ou workshops de primeiros socorros veterinários, assim como acções de sensibilização, como por exemplo, preparar um cão de abrigo para que a sua adopção tenha uma maior taxa de adopção, entre outras; e produzimos vários trabalhos de investigação científica.
A Ânimas é constituída por uma equipa multidisciplinar que trabalha no sentido de proporcionar aos indivíduos com diversidade funcional um recurso habilitador que aumente o seu nível de independência e de auto-estima.

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Foto de Ânimas

O que são cães de assistência?

Importa realçar, antes de mais, que Portugal tem legislação, designadamente o decreto lei 74/2007, que é uma das melhores a nível mundial. Quer a Ânimas, quer a Escola de Cães-guia para Cegos, integraram o grupo de trabalho que fez criar esta lei.
Os cães de assistência podem ser divididos em três tipos: cães guia, cães de serviço e cães para pessoas surdas. Treinamos cachorros para se tornarem cães de assistência que serão parceiros de vida para pessoas com diversidade funcional, nomeadamente crianças com perturbações do espectro do autismo, pessoas com doenças neuromusculares, surdez, epilepsia, diabetes, stress pós-traumático, pessoas com mobilidade reduzida e que se desloquem em cadeira de rodas ou andarilho, entre outras.
Em suma, a Ânimas realiza três tipos de programas de Intervenções Assistidas por Animais (IAA): Terapia Assistida por Animais, Educação Assistida por Animais e Actividades Assistidas por Animais.

A associação tem quantos cães?

A Ânimas tem, actualmente, 55 cães entregues, a trabalhar diariamente, 12 em formação e, a curto prazo, irão entrar mais cães oriundos das famílias de acolhimento para continuar a saga: saem uns para serem entregues aos beneficiários e entram os cachorros para as famílias de acolhimento para este trabalho de encadeamento não parar.

Quais as raças mais utilizadas escolhidas?

Cerca de 95% é o Labrador Retriever (90%), seguido do Golden Retriever (5%), as raças mais utilizadas para cães de assistência, porque são simpáticos, afáveis, dóceis, gostam de trabalhar, aprendem rapidamente e têm um temperamento que lhes permite passar por diversa fases e por diversas pessoas, nomeadamente famílias de acolhimento, treinadores, instrutores para, depois, serem entregues ao beneficiário sem terem problemas de ansiedade ou de adaptação às novas pessoas, o que facilita bastante. Mundialmente, estas raças são as mais usadas, quer se trate de cães-guia para cegos, cães para auxiliar indivíduos com deficiência motora ou cães no âmbito da Terapia Assistida por Animais.

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Foto de ABÍLIO LEITE

O cães são treinados pelas Ânimas?

Sim, os cães saem do criador da nossa confiança com três meses, vão para uma família de acolhimento até aos 14/16/18 meses de vida e passam para um treinador que lhes dá uma primeira fase de educação para viverem em sociedade. Posteriormente, após a realização das entrevistas de selecção aos futuros beneficiários e aferidos os serviços de que necessitam, então são afinadas as habilidades que os cães têm de fazer. São cães de trabalho, de serviço, logo têm de ser proactivos e de realizar um conjunto de actividades que ajudem as pessoas no dia-a-dia. Ou seja, não basta ser apenas um cão meiguinho, que vai para o colo e que recebe mimos e dá beijinhos. Isso é um cão de companhia. Tem de ser um cão que saiba fazer coisas: abrir portas, apanhar objectos do chão, alertar alguém que uma pessoa está com convulsões, colocar e tirar roupa da máquina de lavar (só não consegue estender), avisar os surdos que o bebé está a chorar, sinalizar que alguém entra na sala…

Quantos treinadores asseguram esta preparação?
Neste momento temos oito treinadores a trabalhar connosco, cada um dos quais com um ou dois cães, enquanto o coordenador tem seis cães a trabalhar com ele.

Quanto tempo demora o treino de um cão?
Dois anos, no mínimo. É a idade adulta do labrador. Tal como as pessoas, só são entregues para trabalhar em idade adulta.

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Foto de ÂNIMAS

Os cães são capacitados para auxiliar pessoas com incapacidades físicas e motoras?
Sim. Tentamos ver de que forma o cão pode ajudar no dia-a-dia de pessoas com este tipo de necessidade, como por exemplo pessoas em cadeiras de rodas ou com a falta de um braço, sendo que o cão pode fazer muita coisa. Pode até localizar uma caixa multibanco, mas não consegue inserir o cartão, digitar o código e tirar a quantia desejada. Também não consegue acertar nos números do euromilhões… É preciso não exagerar nas expectativas do que o cão pode fazer…

De que forma se consegue criar uma relação de proximidade e de confiança entre o cão e o beneficiário?

Esta fase chama-se de acoplamento. É o momento em que mostramos ao cão a pessoa com quem vai estar, primeiro durante umas horas, depois por uns dias; o treinador deixa de dar recompensas e é o futuro beneficiário que começa a recompensar o cão. O labrador é um glutão, por comida faz tudo! E rapidamente começa a perceber que aquela pessoa está muito mais empenhada em satisfazê-lo e, então, entra-se na fase de transferência do vínculo do instrutor para o beneficiário. Os processos demoram tempos diferentes, uns 15 dias, outros um mês, depende da disponibilidade das pessoas e da forma como é feita a passagem.

Os familiares têm também algum tipo de preparação?

Sim, todo o agregado familiar tem uma formação prévia sobre os cuidados básicos para receber um cão, identificar sinais de stress, etc.

A Ânimas cede cães de assistência gratuitamente, mas o seu investimento conta com a ajuda financeira de parceiros, ou de programas sociais, ou de fundos comunitários? Qual o investimento anual da Ânimas?

Dependemos exclusivamente de donativos, quer de mecenas quer individuais, mas também de serviços que vamos prestando em alguns municípios, designadamente Porto, Cantanhede, Chamusca, entre outros que pretendam serviços assistidos por animais junto das crianças e em centros de apoio à aprendizagem.
Como somos voluntários, o nosso orçamento é relativamente reduzido, embora já passe os 100 mil euros por ano. Se fossemos a contabilizar o trabalho dos instrutores na formação dos cães, cada cão custaria 30 mil a ser formado. Ora, como entregamos entre dez a doze cães por ano, seriam necessários 300 mil euros. Felizmente, como somos todos voluntários, não cobramos esse serviço.

A Ânimas protocolou parcerias com quais entidades?

Nós temos parcerias com municípios, designadamente os que já foram referidos anteriormente, com hospitais (embora de forma voluntária) como o S. João, do Porto, o Santos Silva de Vila Nova de Gaia, o Egas Moniz, de Lisboa, o Garcia da Orta, de Almada), o Centro de Reabilitação Física do Norte.
Este posicionamento colaboracionista estende-se à Associação Cais, para trabalhar com pessoas sem-abrigo, à Associação Portuguesa de Alzheimer, às entidades que gerem casas de abrigo de emergência para famílias que fogem de violências domésticas (adultos e crianças), enfim, um conjunto de parcerias que vamos fazendo e que nos enchem de orgulho, pois o nosso objectivo não é só impactar junto dos beneficiários, mas também demonstrar que em todos os sectores de actividade é possível a presença de um cão e que esta presença é uma mais-valia para todo o ambiente dessa entidade (escritório, internamento, sala de biblioteca, etc.), uma vez que até promove um conjunto de características nas pessoas que ficam mais soltas, alegres e felizes.

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Foto de ÂNIMAS

A Ânimas é a única associação no país que cede cães de assistência?

Não. Existem duas associações que podem, à luz da legislação vigente, trabalhar com cães de assistência: a Ânimas, que treina e cede cães de serviço, e a Escola de Cães-guia para cegos, de Mortágua.
De acordo com legislação, as entidades têm de ter os instrutores com formação específica e têm de estar acreditadas a nível internacional. Não temos qualquer exclusivo, apenas cumprimos com um conjunto de requisitos que nos impõem e que garantem a qualidade dos nossos serviços junto dos beneficiários que recebem os nossos cães.

A Ânimas é uma IPSS/Instituição com Utilidade Pública. Desde 2011 é membro definitivo da Assistance Dogs Europe – ADEu, bem como da ADI (Assistance Dogs International). Até agora, é a única associação portuguesa neste âmbito a integrar estas organizações. Em 2018 a Animal Assisted Interventions – International (AAI-int) acreditou a associação como entidade formadora de Duplas em Intervenções Assistidas por Animais e, em 2023, a International Association of Human-Animal Interaction Organizations (IAHAIO) acreditou a Ânimas como membro de pleno direito.

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