A solidão é a casa vazia, a rua despida, um frio acossado ao corpo. Um vazio emocional. E ela, de olhos encovados, tem vindo a assumir novas formas que merecem uma reflexão peculiar. Ela remete-nos para as pessoas, independentemente da idade, mais observável e assumida nos mais velhos, para a sensação de abandono e desamparo, para um afastamento social, dolente e crónico.
É dessa solidão que me apetece falar e tanto me apoquenta. A solidão dos dias mais escuros, apesar, de tantas vezes o sol brilhar, do escurecimento interior, da apatia no corpo.
Falar de solidão está na ordem do dia, mas não na vontade de todos, para atenuar este declínio social e humano. Vivemos tão apressadamente que somos facilmente engolidos pela onda gigante da indiferença. O ruído à nossa volta torna-se insuportável entre uma multidão que não nos vê, não nos escuta. Numa sociedade cada vez mais egoísta e preconceituosa, onde valemos menos que o número zero. Tudo se desmorona frente aos olhos dos mais frágeis. Indefesos e vulneráveis.
Falta-nos mais humanidade, mais empatia. Mesmo tendo uma família nuclear, chega a ser doloroso conectar-se com o outro. Com o irmão, com o filho, com o cônjuge, com o vizinho. Por muito que nos custe entender, é isto que se passa na realidade. Andamos todos dispersos e atolados de afazeres e problemas – e são muitos, numa sociedade desregulada de valores e de desabrigo afetivo. A solidão das horas, dos dias, das noites é muito mais um estado de alma que corporal. Falta-nos a proximidade de um olhar.
Instala-se um desconforto coletivo que neste momento se alastra e não se vislumbram medidas políticas, de saúde e sociais, ações e projetos cabais, por forma a estancarem este flagelo.
Não é um tema novo, bem sabemos, muito se fala sobre os possíveis motivos deste fenómeno. Todavia, escolhe-se não falar do embate que tem na saúde, na longevidade e na aptidão em desenvolver e realizar projetos de vida. As pessoas que se sentem sós e desamparadas, incapazes de se reorganizarem, são mais suscetíveis de contraírem doenças associadas. Desenha-se, pois, um quadro negro, tantas vezes fatal, por não haver respostas.
É urgente olharmos para o outro e criar uma base de suporte capaz de ir ao encontro desta solidão que mói, que nos atormenta. Que mata. Um vazio relacional que se hospeda em nós sem pedir licença ou lhe tenhamos aberto a porta.
E se julgamos que este é um problema que afeta os mais velhos, estamos redondamente enganados, o problema é transversal e pode chegar a todos, afetando pessoas de todas as idades, meios e culturas.
Esta solidão, pode tornar-se visceral – sem horizontes. É um assunto que deve estar na mesa e preocupações dos nossos governantes, mas muito em cada um. É um assunto sério e extremamente relevante para a sociedade, para ti e para mim.
Esta solidão alimenta-se de um isolamento emocional, enfraquecendo o corpo e a alma.
Não chega desenhar medidas e ficarem no papel. Não chega projetar gabinetes de apoio quando sabemos que não vão chegar aos que mais precisam.
É preciso sair dos grandes centros e da nossa zona de conforto.
É urgente redefinir as estratégias de prevenção e combate à solidão.
É cabalmente necessário valorizar o outro.
Professora e Escritora