Jerónimo era um avô sem chapéu e sem barbas brancas. Também não usava bengala ou um roupão de flanela aos quadradinhos.
Em vez de se sentar à soleira da porta a apanhar sol com os vizinhos, não!
Gostava de vagueava pela cidade e beber o seu café numa rua estreita da cidade. Era de lá que apreciava o vaivém dos moliceiros e das pessoas atarefadas.
Havia uma altura do ano que gostava particularmente de descer à cidade. Os dias anteriores ao Natal. Vestia a samarra e ia com o vento, às vezes um vento norte que o empurrava e chagavam até a barafustar um com o outro. Dois teimosos.
Por estes dias observava as pessoas mais apressadas a entrarem e a saírem das lojas, como se tudo à sua volta corresse como um comboio a alta velocidade. Carregavam sacos adornados de laços, quase sempre vermelhos ou verdes, prateados ou dourados. Mas o que ele não gostava era de ver os rostos acabrunhados, sem brilho. Questionava o espírito natalício que se apregoava na publicidade. Tudo lhe parecia fugaz e intransigente. Demasiadamente incoerente para a festa da família. Do reencontro. Das crianças.
As crianças já não se viam pelas mãos das mães, estavam guardadas nos infantários e escolas. Ou talvez pior, ligados a um jogo online sem verem o mundo cá fora. Preocupava-o estes tempos novos de alguma alienação. Também tinha netos e bem os via nessa senda. Não era contra o progresso, ele próprio usava as redes sociais.
Mas nada substituía o calor do outro. O encontro do olhar.
Sentia a sociedade carente de afetos.
Numa dessas tardes em que o vento estava a fazer das suas e voavam os chapéus e folhas e despenteava quem por ele passava, de repente lembrou-se de fechar as portas à volta da Rua da Alegria – era o nome que lhe dava desde esse dia em que teve a ideia.
O avô Jerónimo sussurrou ao vento que se juntassem numa roda e cantassem e dançassem. Lentamente, de todos os lados saiam crianças e pessoas de sorrisos e braços abertos. Havia alegria e sobretudo fraternidade.
Reinava na roda a união. O encanto.
Agora sim, pensou o avô: Somos Natal!
E o vento no seu bailado pousava de mansinho, fios de luz, nas mãos abertas.
Quando já a noite se fazia sentir, Jerónimo fechou as portas da Rua da Alegria e voltou para casa. O vento acompanhou-o. Hoje, mais serenos e sem resmungos. Quase de braço dado.
Adormeceram com um largo sorriso, dando lugar aos sonhos dos meninos.
Voltarão no próximo Natal.
O Natal é em cada momento e em todos os momentos a festa do reencontro.
Professora e Escritora