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Quinta-feira, Março 27, 2025

Adolescência na Justiça

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A notícia passou praticamente despercebida, mas, na simplicidade da sua crueza, teve em mim um impacto de soco.

No princípio deste ano foi noticiado que um jovem de 19 anos, foi condenado em 1 ano de prisão suspensa pela prática, quando tinha 16 anos, de um crime de abuso sexual de criança. Vinha acusado da prática de mais dois crimes da mesma natureza, contra a mesma vítima, mas não resultou condenado por esses.

A vítima tinha 13 anos à data da prática do facto, engravidou e teve uma filha. Mas falta acrescentar também que, de acordo com a notícia, o agressor e a vítima, ambos de etnia cigana, mantinham uma relação e vida em comum em casa própria. E ainda que a vítima se opôs à fixação de uma indemnização a ser paga pelo companheiro.

Não conheço, nem preciso de conhecer, para o que aqui me proponho, outros pormenores do processo que findou com a condenação. E não é de todo meu propósito comentar a intervenção do tribunal que certamente se limitou a aplicar a lei, como lhe compete.

O problema está na lei, na lei portuguesa que permite que um jovem seja condenado em prisão (mesmo que suspensa) por um facto praticado aos 16 anos, quando ainda era menor segundo o Código Civil e segundo a Convenção dos Direitos da Criança que Portugal foi um dos primeiros países a ratificar, orgulhando-se disso.

O problema está em manter a idade da imputabilidade fixada no Código Penal aos 16 anos, permitindo que até aos 18 anos menores sejam condenados à prisão ou outras penas, como adultos e sem distinção destes.

Neste caso paradigmático, duas crianças (segundo a Convenção das Nações Unidas que visa protegê-las), uma com mais três anos do que a outra, mantinham uma relação passional e vida em comum no contexto da qual nasceu outra criança, a filha.

Será a pena de prisão (mesmo se suspensa) a resposta social correcta e bastante para um caso como este? Justifica-se colar num menor de 16 anos o rótulo de criminoso com o seu registo criminal? Creio convictamente que não e que se imporia aqui, em vez disso, uma intervenção estadual de promoção e protecção dos direitos de duas crianças (talvez de três mesmo), de acordo com as respectivas necessidades concretas e o seu superior interesse, ao abrigo da Lei que a tutela e regula.

Se, eventualmente, para além disso, se provasse que o suposto “agressor” carecia de ser educado para os valores protegidos pelo Código Penal, quando muito o que seria adequado seria aplicar-lhe uma medida tutelar educativa apropriada para esse fim, e sem prejuízo daquela intervenção de protecção.

Haja esperança que a nova composição da Assembleia da República venha em breve fixar a maioridade aos 18 anos também para efeitos penais, eliminando finalmente e de vez esta injustificável distorção que é querer punir como adulto quem ainda considera menor.

Este foi, há que dizê-lo, mais um caso de uma Justiça que, por pecar por tardia na vida de jovens se arrisca seriamente a não ser percebida e sentida por eles como justiça.

Que verdadeiro sentido responsabilizador e ressocializador pode ter na vida de um jovem adulto a punição por um acto praticado 3 anos antes, quando ainda era um adolescente e vivia, com ilusão de perenidade, uma relação amorosa de vida em comum?

Responda quem souber.

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