O meu avô não usava chapéu e também não andava muito devagar. Usava óculos!
O meu avô trazia com ele os dias soltos, baralhava-os na algibeira do seu casaco desbotado. O meu avô não era alto nem baixo, mas chegava a todas as estrelas.
Também fazia magia e da mão fechada saltavam rebuçados coloridos e transparentes mesclados com os berlindes raiados.
Os dias com o avô eram sempre divertidos. Eram sol mesmo em dezembro.
O meu avô visitava-me com mais frequência nesse mês. Aos meus olhos de criança ele personificava o Natal. Sabia que estava próximo esse dia.
Chegava pela manhã e entrava no meu dia sem rezingar, mesmo quando, quase tropeçava no carro vermelho dos bombeiros, meio escangalhado. Baixava-se lentamente e segurava-o nas mãos e fitava-me com um olhar solene – penso que seria uma repreensão silenciosa, mas rapidamente abríamos um sorriso e as sobrancelhas do avô alargavam-se e ficávamos por ali, num ti ró ri acelerado como se fossemos apagar um incêndio. Gostávamos destes dias de dezembro.
Os dias com o meu avô faziam-se de grandes olhares e viagens. De muitas histórias. O avô, antes de começar, “Era uma vez…” tirava do bolso do casaco, um gorro vermelho com uma barra branca, que punha na cabeça, meio de lado e depois sim, entrávamos nos labirintos sinuosos de castelos encantados, jardins floridos e soberbos palácios. Encarávamos os monstros com braveza, bruxas com desenvoltura. Casávamos príncipes e princesas. Sorríamos a duendes e apanhávamos corsas. Fazíamos o Natal nos palácios do Rei. Mas eram as fadas que eu levava para me aconchegar à noite.
O avô falava mansamente, ondeava as palavras e uma brisa suave afagava-me o rosto.
Quando conheci o mar – numa tarde clara, percebi que ele fora ali buscar as palavras, esse murmúrio límpido e que os peixes vermelhos que eu gostava, vinham dessas viagens que atravessávamos.
E todos os fins de tarde nos agasalhávamos na manta vermelha de lã e enlaçados, percorríamos o azul do céu em busca da Estrela polar.
Numa dessas tardes o avô falou-me de uma outra infância, perdida num tempo longínquo. Habitavam nela outras crianças de caras tristes e corpos franzinos. De entre as palavras, uma pausa quase magoada. E de repente, o seu rosto sereno, inquietou-se.
Sem saber a razão também me inquietei e agarrei a mão do meu avô. Os nossos olhos cruzaram-se na luz brilhante da Estrela polar.
Percebi mais tarde que o meu avô fora uma dessas crianças. Que todos os brinquedos que agora me dava, pelo Natal, eram os que um dia ele desejou.
O avô sabe dos nossos medos e dos nossos sonhos e abraça-nos profundamente quando troveja.
Tenho memórias acesas do calor das suas mãos, dos seus olhos pequeninos por detrás dos aros dourados.
Os dias com o meu avô eram paisagens vivas.
No olhar do meu avô era sempre Natal.
Professora e Escritora