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Segunda-feira, Março 24, 2025

A Máscara da Inteligência Artificial: Um Alerta Urgente – Por José Paulo Santos

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José Paulo Santos
José Paulo Santos
Professor, Poeta e Formador

A Inteligência Artificial (IA) tem sido celebrada como a grande conquista do engenho humano, prometendo um futuro repleto de inovação, eficiência e comodidade. Contudo, sob este brilho sedutor, esconde-se uma realidade inquietante que poucos conhecem ou querem enfrentar. Kate Crawford, no seu livro Atlas da IA, que tem sido uma excelente leitura, denuncia o impacto devastador da IA nos ecossistemas, nas comunidades mais vulneráveis e nos recursos naturais do planeta. A sua análise vai direta ao ponto: “A Inteligência Artificial está profundamente ancorada em processos materiais que devastam o planeta e sacrificam os mais frágeis em nome do progresso tecnológico.”

E os meus leitores perguntam quem é Kate. Kate Crawford é uma investigadora, escritora e especialista em questões relacionadas com a Inteligência Artificial (IA) e o impacto da tecnologia na sociedade. É reconhecida internacionalmente pelos seus estudos interdisciplinares que integram ciências sociais, tecnologia e ética. O seu livro Atlas of AI: Power, Politics, and the Planetary Costs of Artificial Intelligence (2021) analisa os custos ocultos e as implicações éticas, ambientais e sociais da IA.

Crawford é Investigadora Principal na Microsoft Research e Professora Adjunta na Universidade do Sul da Califórnia (USC), onde colabora no Centro de Políticas de Comunicação e na Escola Annenberg. Ao longo da sua carreira, tem chamado a atenção para as desigualdades perpetuadas pela tecnologia e para os efeitos do capitalismo de vigilância e da extração de recursos naturais usados para suportar a infraestrutura da IA.

O trabalho de Crawford é frequentemente citado em debates sobre regulação tecnológica, ética digital e sustentabilidade. Ela argumenta que a IA não é apenas um fenómeno imaterial de algoritmos, mas um sistema físico que consome recursos finitos e afeta as vidas humanas de forma desigual, reforçando as desigualdades sociais e ambientais existentes.

Com uma abordagem crítica e fundamentada, Crawford é uma voz influente na luta por uma tecnologia mais ética e inclusiva.

O coração tecnológico da IA é feito de materiais como lítio, cobalto e níquel, extraídos de minas que destroem paisagens e vidas humanas. No Congo, 70% do cobalto mundial provém de minas onde trabalhadores, muitas vezes crianças, enfrentam jornadas extenuantes, poeiras tóxicas e uma vida de precariedade. Este quadro desolador é amplamente documentado por organizações como a Amnistia Internacional, que apelam por transparência e ética nas cadeias de abastecimento.

Um exemplo eloquente é o Salar de Uyuni, na Bolívia, uma das maiores reservas de lítio do mundo. A extração deste mineral contamina fontes de água e destrói ecossistemas. Comunidades indígenas, que antes dependiam destas terras, veem-se relegadas à pobreza e ao esquecimento. O mesmo se repete na China, na Austrália e em outros países que disputam os recursos minerais raros.

A pegada ambiental da IA não se limita aos recursos minerais. Os centros de dados consomem uma quantidade descomunal de energia. Segundo a Universidade de Massachusetts, treinar um único modelo de IA pode emitir mais de 284 toneladas de CO₂, equivalente a dez viagens transatlânticas ida e volta entre Lisboa e Nova Iorque. A infraestrutura global de TI consome cerca de 200 terawatts-hora por ano, contribuindo significativamente para o agravamento da crise climática.

Fenómenos meteorológicos extremos, como as cheias devastadoras de Emilia-Romagna, em Itália, ou Valência, em Espanha, ou os fogos devastadores em Los Angeles, na Califórnia, são atribuídos, em parte, ao aquecimento global intensificado por emissões industriais e tecnológicas. A indústria da IA não é uma exceção, mas sim uma das grandes responsáveis pelo cenário ambiental que enfrentamos.

Menos visível, mas igualmente perturbador, é o trabalho humano que sustenta a IA. Em países do Sul Global, milhões de pessoas trabalham em tarefas mal remuneradas, como categorizar imagens, moderar conteúdos ou corrigir erros de sistemas. Estas funções, vitais para o funcionamento da IA, são realizadas em condições precárias, por vezes traumáticas.

Moderadores de conteúdo relatam graves consequências psicológicas após anos de exposição a imagens violentas e perturbadoras. Crawford descreve este cenário como uma forma moderna de servidão, onde o sofrimento humano é ignorado em nome da eficiência tecnológica.

Enquanto o planeta e os mais vulneráveis pagam o preço, gigantes tecnológicos como Google, Amazon, Meta e Tesla acumulam lucros astronómicos. Empresas que monopolizam recursos e perpetuam um sistema de desigualdade social e ambiental refletem um modelo de exploração desenfreada.

Figuras como Elon Musk e Jeff Bezos simbolizam esta disparidade extrema. Musk, cuja fortuna ultrapassa os 400 mil milhões de euros, depende de minerais como lítio e cobalto para os seus veículos elétricos, contribuindo para a degradação ambiental em regiões da América Latina e África. Bezos, com a Amazon, é criticado pela pegada ecológica dos centros de distribuição e pela exploração dos seus trabalhadores.

O impacto da IA estende-se à educação, onde modelos baseados em algoritmos começam a substituir professores e a centralizar decisões pedagógicas. Em 2025, nos Estados Unidos, abrirá uma escola totalmente gerida por IA. A promessa de personalização esconde perigos evidentes: perda de interação humana, desigualdades agravadas e uma erosão da privacidade dos estudantes.


A Unbound Academy, uma escola nos Estados Unidos, planeia iniciar em 2025 um modelo educativo inteiramente orientado por Inteligência Artificial (IA). Destinada a alunos do quarto ao oitavo ano, esta instituição oferecerá uma experiência de aprendizagem totalmente online, com apenas duas horas de aulas diárias. Todas as aulas serão ministradas por IA, sem a presença de professores humanos.

A escola utilizará software de IA de plataformas como a IXL e a Khan Academy para proporcionar aulas personalizadas. Estas ferramentas adaptar-se-ão ao ritmo de aprendizagem, às reações emocionais e ao desempenho de cada aluno, ajustando o conteúdo às suas necessidades individuais.

Além das duas horas de aulas, o restante do dia escolar será preenchido com workshops de competências para a vida, focados em literacia financeira, empreendedorismo, pensamento crítico e oratória. Estas sessões serão conduzidas por “guias” em vez de professores certificados.

A corrida pelo desenvolvimento de armas autónomas, liderada por grandes potências como EUA, China e Rússia, é outra ameaça iminente. Estes sistemas de destruição colocam em risco a segurança global, movidos por interesses lucrativos em vez de valores humanos.

António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas, alerta para a necessidade urgente de regulamentar a IA. Ele afirma: “A IA deve ser uma ferramenta para o bem comum, não uma arma de destruição.” Para tal, é necessário exigir transparência das empresas tecnológicas, implementar políticas como o Rendimento Mínimo Universal e promover uma redistribuição justa dos benefícios desta economia digital.

Cada cidadão tem o dever de questionar o modelo atual e exigir um futuro que respeite o planeta e as pessoas. Apenas com envolvimento coletivo, regulamentos éticos e ações concretas poderemos reverter este curso destrutivo.

Que esta reflexão seja um ponto de partida para construir um futuro sustentável e justo para todos.

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