O documentário O Milagre do Rei D. Dinis, da série Linha da Frente, recentemente exibido pela RTP1, trouxe boas notícias acerca dos trabalhos de investigação, recuperação e conservação do túmulo do Rei que até há poucos anos se encontrava ao abandono, sob continuada e severa degradação e vandalização.
Graças a esses trabalhos, os restos mortais do monarca foram exumados e objecto de minucioso estudo científico que vai permitir reconstituir por aproximação a fisionomia do Rei, a sua estatura, o seu ADN, as doenças de que padecia e os seus derradeiros dias de vida. O surpreendente estado de conservação da espada e das vestes com que foi inumado está a permitir avanços no estudo e conhecimento sobre os tecidos, a ourivesaria e as armas brancas do século catorze.
Mas o documentário vem lembrar que foi preciso um outro em 2015 e a petição pública consequente para trazer a público e denunciar o estado de abandono e degradação a que se deixou chegar o túmulo do Rei Trovador, atitudes inexplicáveis de desrespeito e ingratidão pelo fundador da marinha nacional e da primeira universidade portuguesa, pelo impulsionador da plantação do pinhal de Leiria que viabilizou a construção das naus para as descobertas e o desenvolvimento agrícola.
Até então, nem mesmo o facto de o túmulo e o mosteiro de São Dinis estarem integrados no conjunto do extinto Instituto de Odivelas, secular estabelecimento de ensino para raparigas, tutelado pelo Exército, evitou o abandono, a incúria e a degradação. O documentário revela que dentro do túmulo foi encontrado, a par de restos de obras, um exemplar do Diário de Notícias de 1938, deixado talvez por alguém lembrado de que D. Dinis foi grande amante das letras e artes … E também uma antiga aluna do Instituto de Odivelas deixa o testemunho quanto à ausência de restrições a que, no seu tempo, o acesso directo ao túmulo estava votado.
O documentário O Milagre do Rei D. Dinis é uma lição de História e sobre o que governantes centrais e autárquicos devem fazer com oportunidade para conservação do património histórico-cultural à sua guarda. Estudar e investigar cientificamente um sepulcro e o seu conteúdo, para melhor os preservar e conservar, não constitui profanação de cadáver. Profanação de cadáver é, sim, deixar o seu túmulo à mercê do abandono, da degradação e do vandalismo.
Jurista