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Domingo, Outubro 13, 2024

A democracia sem partidos é possível – Por Miguel Palma Costa

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Miguel Palma Costa
Miguel Palma Costa
Professor do Ensino Secundário

Passaram ainda pouco dias que o líder de um partido regional de direita, num programa televiso de análise política, proferiu as seguintes palavras: “A sociedade está aqui, está nos quatro partidos. A sociedade demonstrou que quer estar com os partidos. Essa ideia de que os partidos não são importantes, isso aí é uma falácia. A democracia sem partidos não é possível”.

Ora, perante tal confissão ou depoimento, qualquer cidadão menos atento e conhecedor destas matérias nada teria a contrapor e/ou adicionar. Contudo, o tempo das verdades absolutas acabou (presumivelmente), e a opinião deste líder e deputado do parlamento regional da Madeira (ALRAM) – que carece de fundamentos históricos, académicos e até políticos – obviamente livre e publicamente exposta, movida naturalmente por interesses políticos, pessoais e partidários, se não for reformada e corrigida, ficará, digamos como a água parada, “começa a criar répteis no espírito” e, portanto, como proferiu Winston Churchill, terá de ser modificada pois “não há mal nenhum em mudar de opinião… contanto que seja para melhor”, claro!

Assim, e porque um homem que não vê os dois lados da questão é um homem que não vê absolutamente nada, procurarei nas linhas que se seguem demonstrar a todos os que passarem os olhos por estas linhas – e ao líder e deputado regional assinalado – que é possível a democracia sem partidos políticos, sustentando o meu argumento em premissas muito simples e de fácil entendimento, vejamos:

1.ª- A palavra democracia surge pela primeira vez na Grécia antiga (cerca de 508 a.C.) e referia-se, na altura, a um novo sistema político que representava uma alternativa à tirania. Com o surgimento deste novo regime emergiram então reformas políticas que concediam a cada cidadão (homens do sexo masculino livres) um voto apenas, nas assembleias regulares relativas a assuntos públicos. Como é simples de se perceber, não havia, neste período, partidos políticos organizados; contrariamente aos sistemas democráticos contemporâneos (apelidados de partidocracias); a democracia não se regia pela eleição de representantes, as decisões respeitavam sim a opinião da maioria dos cidadãos da polis. relativamente a cada assunto aberto ao debate público.

2.ª- O conceito de democracia é bem distinto do conceito de partidocracia. Enquanto o primeiro se refere a um sistema político em que a autoridade/poder emana do conjunto dos cidadãos, baseando-se, evidentemente, nos princípios de igualdade e liberdade, o termo partidocracia aponta para um sistema onde a preponderância é de um ou mais partidos políticos no governo ou no poder. Por outras palavras, em democracia, o funcionamento da política assenta na atividade política e cívica dos cidadãos, que as exercem por direito próprio e aqui os partidos políticos são um instrumento útil para os cidadãos se organizarem. Digo útil, mas não obrigatório, pois é escolhido livremente, tendo os cidadãos sempre o direito e liberdade de não o adotar, em preferência por outras vias. Ao inverso, num regime partidocrático o funcionamento da política centra-se no monopólio político dos partidos, na exclusividade no acesso destes ao poder; os cidadãos não têm acesso direto à decisão política, são obrigados a fazê-lo por meio de partidos, sujeitando-se aos que já existem, aos seus estatutos, aos “defeitos” (para não dizer “irregularidades”) do sistema e daqueles que o instituíram e controlam.

3.ª- Os elevados níveis da taxa de abstenção em Portugal – que já ultrapassaram, num ato eleitoral, a fasquia dos 65% – mostram que esta nossa “democracia” está doente, ou melhor, que nos atos eleitorais recentes há um distanciamento (e descontentamento) crescente entre o que o cidadão quer e o que os partidos políticos lhe propõem.

Mais: se um qualquer cidadão informado fizesse uma análise cuidada dos partidos políticos portugueses do pós 25 de Abril de 1974, e das responsabilidades governativas e principais consequências para o estado atual do país, rapidamente assinalaria que os partidos do chamado “arco da governação” têm estado não ao serviço do povo (do “bem comum” ou interesse nacional) mas dos grandes lóbis; que existe uma grande promiscuidade entre a política, os negócios e o mundo financeiro; e que esta partidocracia tem sido o espaço onde, através dos jogos de interesses, do clientelismo, das ligações entre os eleitos e importantes escritórios de advogados e a banca…, para chegar ao controle de sectores estratégicos como a energia, os transportes, telecomunicações, etc., e não para resolver os problemas do país e dos cidadãos. Se é este o caminho para a “democracia”, ou melhor, partidocracia – a satisfação de ambições pessoais, do desejo e controle do poder pelo poder – então acredito que a breve prazo os cidadãos (e o bom senso) se prestarão a questionar o papel dos partidos dentro da democracia e a procurar novas alternativas a este regime.

4.ª- Por último, afirmar que sem partidos políticos não pode haver democracia é verbalizar uma das maiores falácias difundidas pelos políticos que querem impor o atual sistema, como se não houvesse alternativa possível (falácia indutiva da generalização).


No mundo de hoje, com a tecnologia, informação e todo o conhecimento de que dispomos, não faz sentido pensar os partidos como os únicos e legítimos representantes do interesse público. A descrença da sociedade nos partidos políticos começa a dividir populações de certos países ao meio… e, a este propósito, veja-se, por exemplo, as gigantescas manifestações de cidadãos anónimos que no Brasil gritam que os partidos existentes no seu sistema político não os representam. Por outro lado, podemos ainda observar um exemplo que vem bem do centro da europa. Na Suíça a democracia remonta ao século XIII, e na Ländergemeinschaft de Sarnen, Cantão de Obwalden, todos os cidadãos elegíveis se reúnem para decidir acerca da condução da administração dos assuntos públicos do ano seguinte. Aqui a democracia não se tornou numa formalidade impessoal, numa questão de máquinas de votos e de escrutínios secretos.

Para estes cidadãos suíços, a participação nos assuntos da comunidade não é apenas uma ocasião de comemoração, mas também de escolha; aqui a democracia é exercida de modo direto e os interesses da sociedade não raras vezes se sobrepõem aos interesses do Estado. Aqui, aquilo que alguns consideram impossível foi tentado e concretizado, ou seja, a realidade factual comprova-nos que a democracia sem partidos é possível!



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